SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA
( A. I. D. S. )

I. CONCEITO

AIDS, a sigla da denominação original em língua inglesa (acquired immunodeficiency syndrome, síndrome da imunodeficiência adquirida), é uma doença causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV, human immunodeficiency virus), identificado há pouco mais de 20 anos por pesquisadores franceses e norte-americanos. A síndrome foi primeiramente descrita nos Estados Unidos, em 1981, em homossexuais do sexo masculino, anteriormente hígidos, que apresentaram pneumonia por Pneumocystis carinii e sarcoma de Kaposi.

A compreensão progressiva da dinâmica do HIV e sua interação com os fenômenos imunológicos, associados à descoberta de medicamentos anti-retrovirais, têm permitido relevantes progressos no controle clínico da imunodeficiência causada por esse patógeno, com redução acentuada da morbimortalidade e. sobretudo, melhora significativa da qualidade de vida dos doentes

II. ETIOLOGIA

O vírus causador da AIDS é um lentivírus, gênero pertencente a família Retroviridae, que inclui grande número de vírus capazes de determinar infecção em animais.

Os retrovírus possuem em comum o fato de infectarem primariamente células do sistema mononuclear fagocitário (linfócitos T e macrófagos) de comprometerem preferencialmente os sistemas nervoso central e imunológico.

O vírus

O HIV-1 e o HIV-2 possuem a estrutura geral dos lentivirus. que compreende:

    • a parte central (core), que contém o material genético
    • o envelope ou envoltório, no seu contorno, de natureza proteica

CARACTERES:

Genoma:

É vírus de ácido ribonucléico (RNA)

 

Realiza seu ciclo celular com a ocorrência de incorporação do material genético no núcleo da célula, ao contrário de outros virus de RNA, que realizam seu ciclo celular somente no citoplasma.

 

 

Esse fenômeno ocorre devido à presença da transcriptase reversa, que transforma uma molécula de RNA em uma de ácido desoxirribonucléico (DNA), antes da incorporação no genoma da célula, daí ser classificado como retrovírus.

Envelope:

Duas glicoproteínas (GP120 e GP41) estão presentes no envelope do vírus, constituindo a parte mais externa do envelope.

A GP41 apóia-se numa dupla camada lipídica, e a GP120 interage com a GP41 na face externa dessa camada, formando saliências na superfície do vírus. Imediatamente abaixo do envelope encontra-se a camada constituída pela proteína P17, que corresponde à matriz da estrutura viral, indispensável para sua integridade e para o brotamento da partícula.

O envelope é o responsável pela ligação do vírus a receptores da superfície das células-alvo, possibilitando a infecção viral.

Capsideo

O capsídeo é constituído fundamentalmente pela proteína P24. Dentro dele encontra-se o material genético (duas moléculas de RNA). a que se ligam três enzimas virais - transcriptase reversa (P66. P53), integrase e protease - vitais para o ciclo replicativo do vírus.

Os RNA virais estão ligados a proteínas nucleocapsídicas P6.

Além disso, o HIV possui uma molécula de RNA transportador, utilizada como primer. O genoma possui aproximadamente 9.800 bases, que codificam 11 proteínas virais.

Ciclo Celular do Vírus da Imunodeficiência Humana

Para completar o ciclo de infecção e reprodução em uma célula: HIV passa pelas seguintes etapas:

    1. Fusão com a superfície da célula e entrada no citoplasma.
    2. Produção do DNA proviral a partir do RNA viral.
    3. Integração no genoma da célula.
    4. Produção de proteínas virais.
    5. Saída da célula por brotamento.
    6. Maturação extracelular do vírion.

A molécula CD4 é o principal receptor da superfície celular para o HIV, expressando-se principalmente na superfície de linfócitos T auxiliares. Outras células que expressam a molécula CD4 em sua superfície, tais como macrófagos, células dendríticas e células da micróglia, também podem ser infectadas pelo HIV.

Existem, no entanto, outras células que não expressam a molécula CD4 e que são suscetíveis à infecção, fato que indica a presença de outro receptor celular do vírus na sua membrana plasmática.

Os receptores de linfocinas do tipo CCR5 e CXR4 têm sido apontados como co-receptores para a entrada no interior da célula do HIV, tendo atuação significativa, em conjunto com a molécula CD4, no processo de penetração do vírus no interior da célula hospedeira.

Para ocorrer a ligação do HIV com a célula-alvo:

  1. a GP120 liga-se a CD4, formando o complexo GP120-CD4
  2. desencadeia-se uma alteração estrutural da GP120, propiciando a interação dessa com a molécula do co-receptor,
  3. desloca-se a GP120 e expõe-se a GP41.
  4. exposição da GP41 ao meio extracelular causará despolimerização, sendo sua porção hidrofóbica introduzida na membrana plasmática da célula adjacente; tal ligação proporciona a fusão definitiva entre o envelope e a membrana plasmática, seguindo-se a entrada da parte central (core) e do material genético do vírus.

Essa interação pode ser bloqueada por medicamentos, tais como o T20, recém-lançado nos Estados Unidos.

Depois de o HIV ter penetrado no interior da célula, seguem-se diversos passos até que ocorra a sua integração no cromossomo celular. Inicialmente, o RNA viral sofre o processo de transcrição reversa, de que resulta a transformação da molécula de hélice única do RNA em molécula de DNA com hélice dupla, denominada provírus.

A molécula de DNA proviral integra-se no cromossoma celular, podendo a partir disso expressar seus genes. Utilizando os mecanismos de transcrição da célula, o DNA produz o RNA mensageiro (RNAm), o qual migra para o ribossoma citoplasmático e desencadeia a produção de proteínas virais (tradução), que servem para a montagem de um novo vírus.

As moléculas de RNA, de tamanho igual às do genoma, são incorporadas aos vírions formando-se assim novas partículas, por processo de brotamento.

Durante e após o brotamento, a protease exerce importante papel na maturação da partícula, clivando o peptídeo do gag e do gag-pol, dotando a partícula de infecciosidade (capacidade infectante).

É com base no conhecimento do ciclo celular do vírus que foram e continuam a ser desenvolvidas várias estratégias para o combate ao HIV, como será discutido no tópico relativo ao tratamento.

Heterogeneidade do Vírus da Imunodeficiência Humana

O HIV apresenta grande heterogeneidade, no que se refere às suas características biológicas, sorológicas e moleculares, fato que se pode observar quando se realiza análise de:

    1. Tropismo celular.
    2. Cinética de replicação.
    3. Quantidade de produção viral.
    4. Efeito citopático.
    5. Capacidade de indução de sincício em culturas de linfócitos in vitro.
    6. Sensibilidade a anticorpos.
    7. Estrutura genética.

Essa heterogeneidade vincula-se à baixa fidelidade que o vírus apresenta em seu processo de replicação. A transcriptase reversa apresenta tendência a cometer erros durante o processo replicativo, levando a freqüentes alterações no genoma.

Estima-se que ocorram de uma a três trocas de bases no genoma do HIV durante cada ciclo replicativo. Essas variações do genoma são, em última análise, a causa da grande dificuldade de conseguir-se o controle da infecção pelo HIV com o emprego de medicamentos anti-retrovirais e por intermédio dos mecanismos imunes antiinfecciosos do hospedeiro.

Por meio da técnica de reação em cadeia de polimerase (PCR, polymerase chain reaction), foram identificados até hoje, em todo o mundo, dez subtipos de HIV-1 (A-J).

A seqüência de aminoácidos de cada subtipo pode variar em pelo menos 20% na região do envelope e em até 15% na região gag.

    • o subtipo A é encontrado primariamente na Africa Central,
    • o subtipo B na América do Norte e na Europa,
    • o subtipo C na África do Sul, na índia e na China, assim como no sul do Brasil,
    • o subtipo D na África Central
    • o subtipo E na Tailândia.
    • o subtipo F foi recentemente identificado, tendo sido também isolado no Brasil, assim como de todas as estirpes de amostras obtidas de crianças, na Romênia
    • subtipos do grupo M (G, H, I e J) foram identificados em diversas localidades da África

Além dessas linhagens puras, podem ser encontradas formas recombinantes, compostas pela recombinação de diferentes subtipos, tais como A/G, B/C, A/E e outros, com menor freqüência.

Essas formas recombinantes foram encontradas causando epidemias em diferentes partes do mundo. Além desse grupo principal de subtipos (denominado grupo-M ou major), podem ser encontrados linhagens do vírus muito variantes, formando o grupo-0 e o grupo-N, isolados na África; os anticorpos gerados contra eles não eram reconhecidos nos testes imunoenzimáticos (ELISA) utilizados na época.

III. EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO

A infecção pelo HIV, logo após sua identificação no início dos anos 1980, rapidamente assumiu caráter de pandemia. Aparentemente, ganhou traços epidêmicos primeiramente no Continente Africano, disseminando-se depois para as Américas, para a Europa e para os outros continentes.

A dimensão atual da pandemia mundial da AIDS, embora apresente uma tendência a estabilizar-se em nações desenvolvidas, permanece alarmante em países subdesenvolvidos, onde vivem cerca de 95% de todas as pessoas infectadas pelo HIV.

Na grande maioria dos casos a transmissão deu-se por intermédio de contato sexual. Em âmbito mundial, tem aumentado a freqüência da infecção pelo HIV no sexo feminino, já estando muito próxima de 1:1 a razão da prevalência da AIDS entre homem e mulher.

No Brasil, a vigilância epidemiológica da infecção pelo HIV e da AIDS vem sendo aperfeiçoada progressivamente, baseando-se na notificação compulsória dos casos da doença e da infecção em gestantes e crianças expostas ao risco de transmissão vertical e, mais recentemente, na realização de vigilância sorológica em populações sentinelas e/ou comportamentais de base populacional.

Mudanças marcantes no perfil epidemiológico da epidemia de AIDS vêm ocorrendo no Brasil a partir da década de 1990. Na década anterior, a doença acometia principalmente homossexuais e bissexuais do sexo masculino, de classe media ou alta, habitantes de grandes metrópoles.

Atualmente. epidemia de AIDS vem ocorrendo predominantemente heterossexuais de ambos os sexos, jovens, de todas as classes sociais.

Heterossexualização, feminizaçâo, interiorização e pauperização da epidemia são condições que vêm caracterizando a epidemia no Brasil nos últimos anos.

Vigilância Epidemiológica

Os sistemas de vigilância epidemiológica definidos em cada país estabelecem normas técnicas capazes de uniformizar procedimentos e viabilizar a comparabilidade de dados e informações.

No caso da AIDS, como outras doenças crônicas, notificam-se os casos confirmados e, para fins epidemiológicos, adotam-se diferentes critérios para a definição de caso. utilizados de acordo com as tecnologias disponíveis.

Esses critérios são diferenciados para pessoas com mais de 13 anos e para pessoas com 13 anos ou menos.

DE FATO, COMO DEFINIR UM CASO DE AIDS?

Com o decorrer dos anos. a definição de caso de AIDS tem-se modificado, considerando-se desde a disponibilidade de testes para a comprovação laboratorial da presença de infecção pelo HIV até outras questões. tais como a dificuldade de realizar-se o diagnóstico definitivo de doenças oportunistas, segundo preconiza os Centers for Discai Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos, e a disponibilidade de testes para avaliar o grau de imunodeficiência dos indivíduos infectados (contagem de linfócitos T CD4).

A nova classificação de 1993 incluiu o estado imunológico do paciente, por intermédio da contagem no sangue de linfócitos T CD4+ (LT-CD4+), dotada de utilidade tanto epidemiológica quanto clínica.

Posteriormente, foram feitas algumas adaptações, assim como foi considerado um critério que pudesse atender necessidades próprias de países da América Latina (critério Rio de Janeiro/Caracas).

O CDC criou ainda critérios ce excepcionalidade, levando em conta o óbito e o "complexo relacionado à AIDS" (ARC, AIDS related complex)

A definição de AIDS em crianças é diferente e mais complexa que nos adultos, já que recém-nascidos de mães infectadas pelo HIV podem apresentar anticorpos anti-HIV circulantes transferidos da mãe durante a gestação, por via transplacentária. e que podem persistir até 18 meses, sem que necessariamenie tenham sido infectados.

A classificação da AIDS na criança também adota padronização diferente da que se aplica a adultos, considerando-se o fato de que as alterações dos exames complementares e os achados clínicos da doença serem diversos.

PRESENÇA DO VÍRUS EM LÍQUIDOS CORPÓREOS

E SUA RELAÇÃO COM A TRANSMISSÃO

O entendimento dos mecanismos de transmissão do HIV depende da sua presença nos diferentes líquidos e secreções corpóreas, a quantidade em que é encontrado e a possibilidade de contato com o vírus. As primeiras evidências da transmissão por meio de contato sexual íntimo e de sangue contendo o vírus partiram exclusivamente de estudos epidemiológicos, realizados em 1981 e 1982, quando o HIV ainda não tinha sido identificado.

Apesar de a infecção ter sido inicialmente descrita em homossexuais e bissexuais do sexo masculino, e usuários de drogas injetáveis, logo se identificou a possibilidade de transmissão heterossexual, por meio de sangue e seus derivados e vertical. Os mecanismos de transmissão do HIV podem ser comprovados por intermédio da identificação do vírus nos diversos líquidos e secreções corporais. Fatores genéticos e imunológicos ligados ao hospedeiro e fatores virológicos são determinantes não só quanto ao risco da transmissão do HIV, mas também quanto à evolução natural da infecção.

Ao analisar líquidos e secreções corporais, o HIV-1 pode ser encontrado sob a forma de vírus livre ou infectando alguma celula. No entanto, devido à fragilidade do vírus livre em contato com o meio ambiente, a forma intracelular parece desempenhar papel muito mais importante na transmissão. O HIV-1 já foi isolado de praticamente todos os líquidos e secreções, tais como plasma, lágrima, saliva, suor, fezes, urina, secreções vaginal e cervical, sêmen, leite e liquor.

Em todas as secreções, a quantidade de vírus livre é pequena (até 50 partículas/mL, no sêmen), mas atinge concentrações maiores no sangue (até 5.000 partículas/mL) e no líquor (até 10.000 partículas/mL). Quando se consideram as células infectadas, os linfócitos e os monócitos no sangue e nas secreções genitais (sêmen e secreção vaginal) são as mais freqüentemente acometidas, seguidas pelas células da saliva e da secreção brônquica.

MECANISMOS DE TRANSMISSÃO E TRANSMISSIBILIDADE

O HIV pode ser transmitido pelo sangue, pelo sêmen, secreção vaginal e pelo leite materno, havendo portanto três vias primárias de transmissão do vírus: sexual, parenteral (sangue) e perinatal.

Para fins de vigilância epidemiológica, no Brasil, são considerados quatro categorias de exposição ao HIV, subdivididas em diferentes tipos de exposição:

    • exposição sexual (dos tipos: homossexual, bissexual e heterossexual),
    • exposição sangüínea dos tipos: usuário de droga injetável, hemofílico e transfusão
    • exposição perinatal
    • exposição em acidente de trabalho

1) Transmissão Sexual

A transmissão sexual do HIV é a que predomina em todo o mundo e ocorre independente das práticas sexuais (homossexual, bissexual ou heterossexual).

As relações sexuais sem proteção (uso de preservativos) durante o período menstrual, ou que ocasionam sangramento, e o sexo anal (receptivo e/ou insertivo) aumentam o risco de transmissão do vírus.

A existência de lesões prévias (traumáticas ou por doenças sexualmente transmissíveis) ou a ocorrência de escoriações, tanto no ânus quanto nos órgãos genitais, tornam mais fácil a transmissão do HIV. Na relação heterossexual vaginal, qualquer dos parceiros pode ser infectado; no entanto, o risco parece ser maior para as mulheres do que para os homens.

A prática sexual retal e vaginal receptiva é a que se associa com maior risco de infecção (de 0,1 a 3% e 0,1 a 0,2% por episódio, respectivamente), enquanto a prática insertiva (retal e vagina!) está associada a riscos de transmissão proporcionalmente menores (0,06 e 0,1% por episódio, respectivamente.

Há poucos casos de transmissão entre homens por prática sexual oral receptiva com parceiro infectado (aproximadamente 0,04% por contato) e transmissão sexual entre mulheres por via sexual oral-vaginal, oral-anal e digital.

Várias evidências têm orientado também para a interferência da presença de doenças sexualmente transmissíveis (DST) no aumento da transmissão do HIV.

O cancro mole, a gonorréia, a sífilis, a infecção ror chlamídia e a tricomoníase podem aumentar o risco de transmissão do HIV em duas a nove vezes.

Transportado por secreções vaginais, o HIV pode penetrar no organismo através de úlceras genitais. O vírus já foi isolado de úlceras genitais de mulheres com infecção pelo HIV. Portanto, a ligação é mais clara entre a infecção pelo HIV e as DST que causam ulceras genitais, embora nem todos os estudos tenham demonstrado a existência dessa associação.
A exposição heterossexual foi responsável por 57% das infecções pelo vírus da AIDS que ocorreram no Brasil nos ultimos anos.

2) Uso de Drogas Injetáveis

O uso compartilhado da mesma agulha e/ou seringa para inoculação de drogas injetáveis (heroína, cocaína etc.) constitui importante mecanismo de transmissão do HIV.

Entre 1980 e 1990, 18,5% dos casos de AIDS notificados ao Ministério da Saúde ocorreram em usuários de drogas injetáveis. Nos últimos anos, esse índice tem diminuído progressivamente, mas ainda corresponde a 10% do total de casos.

Entre as estratégias adotadas que objetivam a diminuição da incidência da infecção pelo HIV entre os usuários de drogas injetáveis, os Programas de Redução de Danos (PRD) têm alcançado grande eficiência. As ações de redução de danos constituem um conjunto de medidas de saúde pública voltadas à minimização das conseqüências adversas do uso de drogas, sem necessariamente reduzir o consumo. Entre as várias medidas adotadas nesses projetos, constitui prioridade a troca ou a distribuição de agulhas e seringas estéreis.

3) Transmissão por Transfusão de Sangue e Derivados

Receptores de sangue e derivados que não foram submetidos a testes sorológicos para o diagnóstico da infecção pelo HIV têm alto risco de contraírem a infecção.

Situações como essas eram comuns nos anos que antecederam a descoberta do HIV e o desenvolvimento de teste sorológico para detectar a presença da infecção. O emprego de sangue ou de componentes não testados ou tratados inadequadamente, descumprindo as normas de triagem, acondicionamento e controle de qualidade, está praticamente banida no Brasil há vários anos.

Depois de adotadas rotineiramente nos bancos de sangue as medidas de detecção de candidatos a doadores com infecção pelo HIV, a transmissão por esse mecanismo sofreu redução drástica.

É importante lembrar a possibilidade de transmissão do HIV por parte de doador de sangue recém-infectado em que anticorpos séricos específicos anti-HIV ainda não são detectáveis. Esse período é conhecido como janela imunológica e tem duração média de 22 dias, considerando-se os resultados obtidos com os testes sorológicos atualmente em uso.

Várias situações podem aumentar o período de duração da denominada janela imunológica.

Sendo assim, é de vital importância para diminuir a transmissão do HIV por transfusão de sangue e de seus componentes a criteriosa avaliação de risco epidemiológico dos doadores, lá existem testes de amplificação de ácidos nucléicos que detectam a presença do HIV mais precocemente (cerca de 11 dias depois da ocorrência da infecção) que os testes sorológicos.

Esses exames têm hoje custo muito alto, mas já foram adotados por alguns países desenvolvidos e por poucos serviços privados do Brasil, havendo a expectativa de que passem a ser realizados brevemente pelos serviços públicos do nosso país.

4) Transmissão Perinatal

A medida que aumenta o número de mulheres com infecção pelo HIV, cresce também o número de casos de transmissão vertical (no momento do parto ou por meio do aleitamento materno), constituindo hoje uma das mais preocupantes formas de transmissão da AIDS.

 

O feto ou o recém-nascido adquirem o HIV por intermédio de contato com sangue e/ou secreção vaginal em que o vírus esteja presente, durante a gestação, no trabalho de parto, no parto e por meio do leite materno (pós-parto).

Evidências sugerem que a transmissão ocorre principalmente durante o trabalho de parto e no parto (cerca de 65%) dos casos); os 35% restantes ocorrem intra-útero, sobretudo nas últimas semanas da gestação. O aleitamento materno constitui risco adicional de transmissão, variando de 7 a 22%. As pesquisas têm demonstrado que as taxas de transmissão vertical do HIV oscilam entre 13 e 48%, dependendo do local onde o estudo foi realizado e de a criança ter recebido, ou não, leite materno. Das 700.000 crianças que se estimou tenham sido infectadas pelo HIV em 2003, em cerca de 315.000 o veículo de transmissão foi o leite materno.

 

O Protocolo AIDS Clinicai Trials Group (ACTG) foi considerado um marco para o esclarecimento da transmissão vertical do HIV. Os resultados dessa pesquisa consolidaram a indicação da zidovudina para a prevenção da transmissão vertical do HIV

 

Atualmente, com uso de outros anti-retrovirais associados ao AZT, além de outras medidas na atenção à parturiente, tem sido possível reduzir a transmissão vertical para níveis inferiores a 3%.

 

5) Outros Mecanismos de Transmissão

Casos de transmissão por intermédio de transplantes de órgãos foram relatados, tendo ocorrido mais freqüentemente antes da disponibilidade dos testes sorológicos de triagem

Também já foi descrita a transmissão do HIV por inseminação artificial, em bancos de sêmen

Estudos laboratoriais e epidemiológicos evidenciaram que a possibilidade de transmissão do HIV por intermédio da saliva é extremamente baixa. Esse baixo risco é em parte atribuído à presença de pequena concentração de vírus na saliva de indivíduos com a infecção e pela presença de substâncias inativadoras do HIV na saliva.


IV. PATOGÊNESE E IMUNIDADE

A redução no sangue do número de LT-CD4+ é o fenômeno que constitui uma das principais características da doença causada pelo HIV. Nas fases finais de progressão da AIDS, no entanto, instala-se completo desequilíbrio das defesas do organismo, atingindo praticamente todos os setores do sistema imunológico.

 

Infecção Aguda

 

O comportamento do número de LT-CD4+ constitui, até o momento, o melhor indicador dos eventos que se desenvolvem após a infecção inicial pelo HIV.

Depois de ocorrer a infecção aguda (conhecida também como infecção primária ou primoinfecção), verifica-se no sangue periférico rápida diminuição do número de LT-CD4+, em paralelo com o aumento da viremia plasmática.

A medida que a viremia diminui, há restabelecimento do número de LT-CD4+, que se estabiliza geralmente em taxas menores que as existentes antes da infecção primária.

Clinicamente, pode observar-se o aparecimento de manifestações semelhantes às da síndrome da mononucleose infecciosa, caracterizada por:

  1. febre
  2. linfadenomegalia
  3. hepatomegalia
  4. faringite
  5. achados menos comuns:
    • exantema,
    • esplenomegalia
    • evidências da instalação de infecções oportunistas (candidíase oral, candidíase esofágica, pneumocistose etc.)

Parece haver relação entre a intensidade da viremia plasmática, a diminuição numérica de LT-CD4+ no sangue e o aparecimento de sintomas na fase aguda da infecção pelo HIV.

Portanto, a presença de doenças oportunistas ocorreria em casos nos quais a redução do número de LT-CD4+ no sangue atingisse níveis críticos

A redução dramática do número de LT-CD4+ no sangue, na infecção aguda pelo HIV, deve envolver a destruição pelo efeito citopático direto do vírus ou a redistribuição de LT-CD4+ circulantes para outros órgãos linfóides, ou ambas. Na fase aguda da infecção pelo HIV são encontrados vírus indutores ou não de sincício, o que poderia retratar a ocorrência de viremia com a presença de diferentes linhagens do vírus transmitidas ao hospedeiro.

Esse fato só é novamente observado nas fases finais da doença, quando a viremia plasmática atinge taxas semelhantes às observadas duante a infecção aguda. Um a três meses depois da infecção aguda, começam a ser detectáveis no sangue os anticorpos contra o HIV, fenômeno conhecido como soroconversão, que esta associado à resolução dos sintomas da fase aguda da doença e à redução da viremia plasmática

Latência Clínica

Após a infecção aguda, segue-se período caracterizado pela ausência de sintomas e sinais. Entretanto, o número de LT-CD4+ no sangue vai sofrendo redução progressiva, numa velocidade que varia de indivíduo para indivíduo.

Cerca de 50% das pessoas com infecção pelo HIV já sofreram conseqüências da redução quantitativa de LT-CD4+ no sangue a patamares críticos, até 11 anos depois de ocorrida a primoinfecção.

MECANISMOS DE DEPLEÇÃO DE LINFÓCITOS T CD4+

Vários mecanismos têm sido postulados para explicar a depleção progressiva de LT-CD4+ que ocorre no decorrer da infecçã: pelo HIV. O efeito citopático direto do vírus, levando à destruição de LT-CD4+, é o mecanismo mais óbvio, mas esbarra na evidência de que o HIV é detectado apenas na minoria ás LT-CD4+ presentes no sangue, o que não seria suficiente para promover o seu contínuo declínio.

O que de fato ocorre ; um equilíbrio dinâmico, segundo o qual milhões de LT-CD4+ são destruídos por dia, ao mesmo tempo em que se forma número maior de partículas virais do que o destruído pelo sistema imune do hospedeiro. Infelizmente, por causa de mutantes virais eles escapam da ação do sistema imune, novas células são infectais e o ciclo vicioso se reinicia.

DISFUNÇÕES SETORIAIS DO SISTEMA IMUNOLÓGICO

Além da diminuição quantitativa no sangue de LT-CD4+, ocorrem distúrbios em todos os setores do sistema imunológico.

Antes mesmo de haver queda significativa de LT-CD4+, verificam-se alterações na sua função, com perda progressiva de sua capacidade de reação a antígenos de memória (antígenos pelos quais o organismo foi anteriormente sensibilizado), diminuição na resposta de hipersensibilidade tardia e alteração na capacidade de produzir citocinas responsáveis pela sinalização para outras células do sistema imune.

Os LT-CD8+ também sofrem alterações funcionais durante a infecção pelo HIV.

Na fase aguda, há também diminuição quantitativa dos LT-CD8+, menos intensa do que acontece com os LT-CD4+, com recuperação das taxas normais depois de três a quatro semanas e manutenção de queda progressiva com o passar dos anos.

Com a redução numerica mais lenta dos LT-CD8+, acaba ocorrendo inversão na relação de LT-CD4+/LT-CD8+, fato que constituiu uma das principais características observadas na fase inicial da AIDS.

A razão pela qual o número de LT-CD8+ também diminui ainda não é bem conhecida.

A imunidade humoral sofre desequilíbrio progressivo à medida que evolui a infecção pelo HIV.

Ocorre ativação de linfócitos B, levando à produção muitas vezes descoordenada e exagerada de anticorpos, principalmente contra componentes do envelope viral; algumas vezes, no entanto, observa-se ativação de mecanismos de auto-imunidade.

Como conseqüência, podem-se desenvolver manifestações secundárias à presença de excesso de anticorpos, tais como a púrpura trombocitopênica imunológica e a proliferação de linfócitos B, com o aparecimento de linfomas não-Hodgkin.

Esses linfomas - particularmente o linfoma primário do sistema nervoso central parecem também estar relacionados com a infecção pelo vírus Epstein-Barr ou por outro tipo de herpesvírus.

As células NK (natural-killer) são linfócitos que expressam em sua superfície a proteína CD 16 e são responsáveis pelo reconhecimento e eliminação de células tumorais e infectadas por vírus. Estudos recentes sugerem que o número de células está diminuído na infecção pelo vírus HIV-1 e, com significado ainda mais importante, apresentam sua capacidade de reconhecimento e eliminação prejudicadas.

Compartimentalização do Sistema Imunológico e Progressão da Imunodeficiência

Atualmente se reconhece que a resposta imunológica, tanto celular como humoral, passa pelo controle dos linfócitos T auxiliares.

Existem dois tipos fundamentais de LT-auxiliar:

  1. auxiliar-1: Thelper1 ou Th1
  2. auxiliar-2:  Thelper2 ou Th2

Th1: Ambos, Th1 e Th 2. provêm de uma célula comum, o Th virgem. Quando Th virgem sofre ação da IL-12, produzida por macrófagos, diferencia-se em Th1:

      • produz interleucina-2 e interferon-gama
      • executa a resposta imunológica mediada por células (hipersensibilidade tardia e ativação de macrófagos);

Th2:  Ambos, Th1 e Th 2. provêm de uma célula comum, o Th virgem. Quando Th virgem sofre ação da IL-4, diferencia-em Th2:

      • produz IL-4, IL-5, IL-6 e IL-10
      • participa na produção de anticorpos (imunidade humoral);

Esses dois sistemas devem funcionar em total harmonia, estabelecendo um equilíbrio entre as respostas celular e umoral.

Algumas situações são condicionadas por esse reequilíbrio, tal como a reativação da tuberculose e os qua-dros de hipersensibilidade, quando há diminuição da resposta Th1. em detrimento de aumento da resposta Th2.

Na infecção pelo HIV há desequilíbrio entre as respostas de Th 1 e Th2, que contribui para a desregularização do sistema imunológico e para a progressão da infecção assintomática pelo HIV para AIDS.

Isso ocorre por causa de mudança da resposta predominante de Th1, no início da infecção. para predominância da resposta de Th2, na fase final doença. Esses fatos são concordantes com os achados observados na progressão para AIDS, quando ocorre diminuição na concentração sérica de IL-2 e interferon-gama concomitante, aumento da concentração sérica de IL-4 e IL-10.

Muitos indivíduos expostos ao HIV, ainda soronegativos, apresentam forte resposta de Th1 aos antígenos do vírus.

PATOBÍOLOGIA DA INFECÇÃO PELO VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA

Tal como citamos, na infecção aguda pelo HIV ocorre intensa viremia.

No entanto, ela é transitória, sofrendo acentuada redução com o desaparecimento das manifestações clínicas da infecção aguda, instalando-se em seguida o período de latência clínica.

Para onde vai a elevada carga viral da infecção aguda?

Provavelmente, grande parte dos vírus é destruída por mecanismos de imunidade celular, mas uma parte deles parece proteger-se, abrigando-se nas células do sistema mononuclear-fagocitário, aonde vão desenvolver-se os fenômenos seguintes da progressão da doença.

A principal célula envolvida nesse mecanismo é a célula dendrítica folicular (CDF), encontrada nos linfonodos, que constitui uma das principais células apresentadoras de antígeno capáz não só de ativar os linfócitos T como também de iniciar a resposta imunológica às viroses e a outros antígenos.

Por isso, também expressa a molécula CD4 em sua superfície, podendo ser alvo de infecção pelo HIV. Apesar de existirem dados conflitantes sobre o papel dessas células na manutenção da infecção pelo HIV, Fox e Cottler-Fox propuseram um modelo no qual as CDF seriam o principal reservatório desse vírus.

Essa sugestão está de acordo com o fato - observado após a viremia plasmática inicial - de os linfonodos ficarem repletos de partículas virais, que só diminuem com o aparecimento das manifestações da AIDS, quando o linfonodo já está despovoado e a viremia plasmática sofre aumento progressivo, alcançando taxas novamente semelhantes às encontradas durante a infecção aguda.

Sobreviventes a Longo Prazo

Para a compreensão da patogênese da infecção pelo HIV, geralmente se dá atenção especial aos estudos em que são incluídos casos nos quais há progressão da doença, com o aparecimento das manifestações que caracterizam a AIDS.

No entanto, não se deve esquecer de analisar a situação na qual o organismo parece conseguir controlar a infecção, ou seja, quando obtém sucesso no combate ao vírus, configurando-se o grupo dos sobreviventes de longo prazo (long-term survivors). Esse grupo de indivíduos é constituído por casos em que a infecção pelo HIV foi bem documentada há mais de oito anos (em alguns, há até 16 anos), sem que tenha ocorrido o aparecimento de sintomas ou sinais da doença, mantendo-se preservado o sistema imunológico, com persistência no sangue de número normal de LT-CD4+, sem o emprego de medicamentos anti-retrovirais.

Essa situação parece resultar de uma série de fatores.

Verifica-se a presença de baixa carga viral (correspondente à quantificação da viremia e das células mononucleares infectadas no sangue), a linhagem do HIV apresenta baixa virulência e a resposta imunológica do indivíduo é eficaz, com predomínio da resposta Th1 e intensa resposta de LT-CD8+ à infecção viral.

Além disso, verificou-se que esses indivíduos apresentam boa resposta citotóxica de LT-CD8+ contra vários antígenos virais.

V. EXAMES COMPLEMENTARES ESPECÍFICOS

Após a comprovação, em 1984, de que o HIV era o agente etiológico da AIDS, foram desenvolvidas várias técnicas para a confirmação do diagnóstico. Os métodos para a detecção de anticorpos contra o HIV foram logo incluídos na rotina dos laboratórios, por terem altas sensibilidade e especificidade, e terem custo acessível. Esses recursos eram fundamentais não só para realizar o diagnóstico de infecção pelo HIV e de AIDS, mas também para possibilitar a adoção de medidas que contribuíssem para limitar a disseminação da doença. O primeiro teste sorológico para o diagnóstico de infecção pelo HIV foi disponibilizado comercialmente nos Estados Unidos em março de 1985, quando então os bancos de sangue começaram a realizá-lo rotineiramente nos candidatos a doador.

 

RESPOSTA IMUNE E JANELA IMUNOLÓGICA

Depois de penetrar no organismo humano, o HIV inicia seu processo de replicação e começa a ser reconhecido pelo hospedeiro.

Nas semanas que se seguem à infecção inicial, ocorre intensa viremia, sendo possível detectar a presença de antígenos virais circulantes em altos títulos. Com a redução da viremia, torna-se viável a detecção de anticorpos contra proteínas estruturais do HIV, por intermédio de diversos métodos sorológicos.

Portanto, há um período no qual já existem partículas virais circulantes, na ausência de anticorpos específicos detectáveis pelo teste imunoenzimático (ELISA), conhecido como período da janela imunológica.

Esse período, antes do advento dos testes sorológicos mais sensíveis para o diagnóstico da infecção pelo HIV, era de aproximadamente 6 a 8 semanas, contadas a partir da data da ocorrência da infecção, sabendo-se que mais de 95% dos indivíduos já possuem anticorpos séricos detectáveis por intermédio do ELISA 6 semanas depois da ocorrência da infecção.

Recentemente, com a possibilidade da pesquisa no sangue de anticorpos anti-HIV da classe imunoglobulina M (IgM), a duração da janela imunológica foi reduzida para 28 dias.

 

MÉTODOS USADOS PARA A DETECÇÃO DE ANTICORPOS SÉRICOS ANTIVÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA

Teste Imunoenzimático

VEJA EXPLICAÇÃO EM DETALHE TECNICO AQUI

Os testes imunoenzimáticos (ELISA ou EIA) constituem os métodos mais utilizados para a pesquisa de anticorpos séricos anti-HIV. Recebem freqüentemente o nome de ELISA (ensaio imunoabsorvente ligado à enzima ou enzyme linked immunosorbent assay), mas como essa denominação limita a definição da técnica utilizada, foi substituída neste capítulo por teste imunoenzimático (EIA, enzyme immunosorbent assay).

Os EIA inicialmente desenvolvidos empregavam antígenos do HIV-1 obtidos de LT-CD4+ de pessoas infectadas. Esses antígenos parcialmente purificados do HIV-1 reagiam com anticorpos contra proteínas do envelope, da parte central (core) e de regiões da polimerase do vírus, presentes em amostras testadas.

No entanto, com freqüência ocorria contaminação com antígenos não virais (regiões do complexo principal de histocompatibüidade originários dos linfócitos, por exemplo), resultando em reações cruzadas, com o registro relativamente freqüente de resultados falsos-positivos. Observou-se essa ocorrência, por exemplo, em gestantes e em pessoas que tinham sido submetidas anteriormente a transfusão de sangue, que apresentavam no sangue anticorpos anti-HLA.

Mais tarde, passou a ser utilizada a tecnologia de recombinação genética para produzir antígenos do HIV-1 altamente purificados - conhecidos como métodos de segunda geração.


Recentemente, foram incluídos nesses testes, como antígenos, peptídeos sintéticos da região IDR da GP41, tornando possível o diagnóstico de infecção pelo HIV-2 e pelas variantes do HIV-1 dos grupos O e N. Com esse aprimoramento técnico, os EIA para o diagnóstico da infecção pelo HIV passaram a ter alta sensibilidade e especificidade, com baixa freqüência de resultados falso-positivos e falso-negativos.

Mesmo assim, ainda é indicada a realização de testes de detecção de anticorpos, pela técnica de Western Blot, para a confirmação do diagnóstico de infecção pelo HIV estabelecido pelo EIA.

 

Teste de Western Blot

Trata-se de técnica mais específica por intermédio da qual se podem detectar anticorpos contra cada região do vírus.

Os antígenos virais utilizados são purificados e posteriormente submetidos a eletroforese, separando-se as proteínas virais de acordo com o seu peso molecular.

Esses antígenos são, então, transferidos para uma membrana de nitrocelulose. Esse preparado de nitrocelulose é exposto ao soro a ser pesquisado, lavado e revelado com anticorpos anti-IgG marcados com enzima, dando origem a faixas coradas na fita de nitrocelulose.

O método de Western blot é considerado confirmatório para o EIA cujo resultado foi positivo, tendo em vista a sua capacidade de individualizar anticorpos específicos contra as principais proteínas virais. No entanto, não há consenso a respeito da interpretação dos resultados obtidos.

Nos Estados Unidos, a Association of State and Territorial Public Health Laboratoy Directors publicou um guia de recomendações para a interpretação do Western blot. subseqüentemente adotado pelo CDC. Estabeleceu-se que, para o teste ser considerado positivo, duas ou três das faixas principais de significado diagnóstico (anti-GP120/160, anti-GP41 e anti-P24) devem ser reagentes; para ser considerado negativo, não deve ser reagente nenhuma faixa específica do HIV; e para o resultado ser considerado indeterminado, deve ser reagente para apenas uma faixa específica do HIV, não preenchendo portanto o critério necessário para o resultado ser considerado positivo.

Outros Testes Sorológicos

Outros testes sorológicos, tais como imunofluorescência indireta, radioimunoprecipitação, aglutinação de látex, imunoligação dot-blot e aglutinação de partículas de gelatina, entre outros, são também disponíveis, mas menos utilizados que o EIA.

Mais recentemente foram desenvolvidos testes simples e rápidos para detecção de anticorpos. Esses métodos baseiam-se em técnicas de imunocapilaridade ou imunodot e podem ser executados em locais sem recursos, usando amostras de sangue total colhidas por lancetagem do dedo do paciente, apresentando altas sensibilidade e especificidade. São eles apropriados para uso em locais onde se necessita de diagnóstico imediato da infecção, tais como maternidades e centros de testagem para aconselhamento, e em acidentes ocupacionais com risco de infecção pelo HIV.

Testes para Detecção de Antígenos Específicos: Detecção do Antígeno P24 por Teste Imunoenzimático

O método para detecção no sangue do antígeno P24 do HIV tornou-se disponível já em 1986, utilizando também a técnica do teste imunoenzimático (EIA). A possibilidade do uso desse exame para a pesquisa no soro do antígeno P24 trouxe grande benefício para a solução de problemas que surgem na pránaa clínica diária, já que sua presença relaciona-se com a progressã: da infecção pelo HIV para AIDS. Esse método, porém, tem uma limitação: o antígeno P24, presente apenas em pequenas concentrações, ao ligar-se ao anticorpo anti-P24 forma complexo antígeno-anticorpo, deixando de ser detectável em presença excesso de anticorpo anti-P24. Além disso, sua pesquisa é onerosa e difícil, não sendo portanto empregada rotineiramente.

Testes para Detecção de Antígenos Específicos:

Detecção do Antígeno P24 por Reação em Cadeia de Polimerase

O método mais sensível para o diagnóstico laboratorial da infecção pelo HIV é a reação em cadeia de polimerase PCR - técnica que possibilita a demonstração da presença no sangue e em outros materiais biológicos de pequenas quantidades do HIV

Com a pCR pode_se repiicar mais de um milhão vezes o DNA do HIV em menos de três horas, permitindo a detecção de até um único segmento do DNA. A grande limitação dessa técnica refere-se à extrema sensibilidade à contaminação cruzada com quantidades mínimas de material amplificado no laboratório. Esse fato tem trazido dúvidas na interpretação de resultados positivos desse exame, em indivíduos nos quais foi negativa a pesquisa de anticorpos contra o HIV.

Quantificação de Vírus da Imunodeficiência Humana (Carga viral) e de Linfócito T CD4-no Sangue

As técnicas modernas de biologia molecular permitiram que fossem desenvolvidos procedimentos para a quantificação de RNA viral no plasma de indivíduos infectados pelo HIV (carga viral).

Com base nessa quantificação, sabe-se hoje que a presença de alta concentração de RNA plasmático associa-se com acentuada diminuição do número de LT-CD4+ no sangue. com progressão mais rápida para a AIDS.

Essas concentrações de RNA viral variam amplamente nos indivíduos afectados pelo HIV, conservando associação significativa com estágio clínico da moléstia e sofrendo considerável redução quando se usa tratamento anti-retroviral eficaz.

No contexto da prática clínica, a determinação dos níveis plasmáticos de RNA viral parece ser o melhor índice para predizer o desenvolvimento da doença, a longo prazo.

Por outro lado, a determinação do número de LT-CD4+ no sangue ainda constitui o marcador mais preciso para a definição do risco imediato, ou, a curto prazo, do aparecimento de complicações relacionadas com a AIDS.

Apesar do seu importante significado como marcador geral do estágio de doença, o resultado isolado da contagem de LT-CD4+ é insuficiente para estabelecer o prognostico e avaliar a resposta à terapia anti-retroviral.

A contagem de LT-CD4+ está sujeita a freqüentes variações biológicas. A diminuição do número de LT-CD4+ no sangue resulta do efeito replicação viral nessas células e, nesse sentido, constitui mais uma conseqüência desse fato do que um marcador potencial de atividade patológica. Portanto, a determinação da concentração plasmática do RNA viral (carga viral) é de grande relevância para a avaliação do efeito da terapia anti-retroviral.

Sendo eficaz, o tratamento anti-retroviral provoca redução significativa dos níveis plasmáticos do HIV já no decorrer da primeira semana de tratamento. De modo geral, a redução do nível plasmático da carga RNA viral está associado com o aumento do número de LT-CD4+ no sangue, refletindo a eficácia do tratamento.

Cultura de Vírus

A cultura do HIV é realizada por intermédio do co-cultivo de células mononucleares de sangue periférico (CMSP) do infectado ou doente com CMSP de doadores HIV-negativos ativadas com IL-2 e fito-hemaglutinina-A.

Nesse co-cultivo, os vírus localizados nos LT-CD4+ circulantes dos pacientes replicam e infectam as células do doador, induzindo a produção de grande número dos vírus, então detectados. Essa técnica é restrita ao âmbito da pesquisa, por ser complexa, demorada e onerosa.

Seu uso está indicado em situações semelhantes às descritas para a realização de pesquisa do antígeno P24, porém com maior sensibilidade. E limitada não só pela dificuldade técnica e custo, mas também pelo risco de contaminação do pessoal de laboratório.

 

VI. QUADR0 CLÍNICO DA SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA

HISTÓRIA NATURAL E CLASSIFICAÇÃO

São as seguintes as etapas da história natural da AIDS:

    1. Transmissão viral.
    2. Síndrome retroviral aguda.
    3. Soroconversão.
    4. Infecção crônica assintomática.
    5. Infecção sintomática (AIDS).
    6. Morte.

Em todas essas fases ocorre a replicação ativa do vírus.

A média de tempo estimada, entre a soroconversão e a evolução para a morte, varia de 10 a 11 anos.

A quase totalidade dos estudos sobre a evolução da infecção pelo HIV, em pessoas não submetidas a tratamento específico, sugere que a maioria delas evoluirá para a fase sintomática. Após o desenvolvimento da doença, em indivíduos não tratados, a progressão para morte ocorre em média entre 12 e 15 meses.

1. Infecção Aguda

Admite-se que a infecção aguda pelo HIV passe despercebida em 80 a 90% das pessoas acometidas.

As casuísticas de infecção aguda pelo HIV não podem ser consideradas para determinação da freqüência de aparecimento dos sintomas, por conterem vícios de alocação de pacientes, ou seja, aqueles que apresentam manifestações clínicas são mais facilmente identificados pelos pesquisadores.

Em geral, o quadro agudo instala-se 1 a 3 semanas (até 6 semanas) depois da ocorrência da infecção.

Os sintomas mais comumente observados são febre, cefaléia, mal-estar geral, letargia, mialgia ou artralgia, linfadenomegalia, faringite e exantema (predominantemente no tronco), em geral do tipo maculopapular ou roseoliforme; em alguns enfermos aparecem fotofobia e meningismo.

Além disso, com pequena freqüência, podem ocorrer meningite asséptica e sintomas neurológicos, que podem estar relacionados com encefalite, neuropatia periférica e polineuropatia aguda periférica ascendente (síndrome de Guillain-Barré). No exame físico encontram-se às vezes ulcerações mucocutâneas e hepatosplenomegalia.

Os exames complementares inespecíficos podem evidenciar:

  1. leucopenia
  2. aumento da velocidade de hemossedimentação
  3. elevação do nível sérico de aminotransterases e de fosfatase alcalina

Quando a imunofenotipagem linfocitária é possível, observa-se depleção no sangue periférico de LT-CD4+ e de LT-CD8+, com recuperação após algumas semanas, apresentando-se, então, com número inferior aos encontrados antes da infecção primária; com o passar dos dias, ambas as populações linfocitárias voltam a aumentar, sendo a ascensão do LT-CD8+ proporcionalmente maior, determinando a conseqüente inversão do valor da relação LT-CD4+/LT-CD8+, que só retorna ao normal após resolução da fase aguda.

Em virtude da proliferação linfocitária, é comum observar atipia linfocitária no sangue periférico.

Dependendo da intensidade da redução do número de LT-CD4+, a infecção aguda pode ser acompanhada pelo aparecimento de doenças oportunistas, tais como candidíase oral e esofágica e pneumonia por Pneumocystis carinii. Em geral, quando a queda de LT-CD4 + é muito acentuada, a recuperação posterior é apenas parcial e o prognóstico da doença é mais reservado.

Na vigência de sintomas neurológicos, o exame do líquido cefalorraquidiano pode evidenciar pleocitose linfomonocitária, sem alteração da glicorraquia e da proteinorraquia. Na infecção aguda pelo HIV, parece haver relação entre a intensidade da viremia plasmática, a queda do número de LT-CD4+ no sangue e o aparecimento dos sintomas.

O antígeno P24 pode ser demonstrado no soro ou no liquor de pacientes com infecção aguda pelo HIV nas duas primeiras semanas de doença, coincidindo muitas vezes essa detecção com o aparecimento dos sintomas. O clareamento desse antígeno ocorre quando quantidades suficientes de anticorpos anti-P24 são produzidos, com a formação de complexos imunes.

A viremia é elevada e pode ser demonstrada por meio de testes de amplificação genômica (PCR e outros), antes mesmo de o teste imunoenzimático ou Western blot se tornarem positivos, fato que ocorre apenas 1 a 3 meses depois do início da infecção aguda. A síndrome retroviral aguda dura 2 a 4 semanas, em média, e a recuperação clínica coincide com o desenvolvimento da resposta imune citotóxica ao vírus. O diagnóstico diferencial inclui várias doenças, entre as quais mononucleose, influenza, sarampo, rubéola, herpes simples e sífilis secundária.

As manifestações clínicas da infecção aguda pelo HIV são inespecíficas e variáveis, semelhantes às da síndrome da mononucleose infecciosa. Aparecem entre 1 e 6 semanas depois de ter ocorrido a infecção, sendo constituídas por febre, sudorese, linfadenomegalia, faringite, exantema, mialgias, artralgias e anorexia, entre outros sintomas e sinais inespecíficos.

O exame físico evidencia a presença de adenomegalia localizada ou acometendo várias cadeias, exantema e, menos comumente, hepatosplenomegalia. Os resultados dos exames complementares inespecíficos não são característicos, podendo ocorrer leucopenia, linfocitose com presença de linfócitos atípicos, trombocitopenia e aumento da concentração sérica de amino-transferases e de fosfatase alcalina.

A mais significativa alteração laboratorial é constituída pela diminuição do número de LT-CD4+ detectada no sangue periférico, determinando inversão da relação LT-CD4+/LT-CD8+.

Evidências de comprometimento neurológico aparecem com pequena freqüência, mas podem ocorrer, sob a forma de meningite asséptica, encefalite, polineuropatia periférica e síndrome de Guillain-Barré. Durante a vigência das manifestações clínicas, os testes para a detecção de anticorpos contra o HIV já se tornaram positivos. Portanto, diante da suspeita de infecção aguda pelo HIV devem ser realizados testes sorológicos seqüenciais, para confirmar ou descartar o diagnóstico.

2. Infecção Inaparente ou Assintomática

Quando a infecção pelo HIV ocorre sem ser acompanhada por sintomas e sinais é denominada infecção inaparente ou assintomática.

De modo semelhante ao que se observa depois da infecção aguda sintomática, segue-se período de infecção persistente, também assintomático, em que se verifica deterioração progressiva do sistema imune, até que, anos depois, a AIDS se instale. Esse período tem duração variável de indivíduo para indivíduo, sendo importante que no seu decorrer o paciente tenha acompanhamento médico, para a detecção precoce de sinais indicativos de progressão para doença.

O número de LT-CD4+ no sangue diminui progressivamente ao longo dos anos, tornando-se mais acelerada nos 1,5 a dois anos que antecedem a efetivação do diagnóstico de AIDS. Nesse período, a quantificação do RNA do HIV (carga viral) atinge um ponto de equilíbrio (set point), para em seguida aumentar paulatinamente até a fase em que a doença se configura. Desse modo, a contagem de LT-CD4+ e a determinação da carga viral constituem os mais importantes referenciais para o monitoramento da infecção, indicadores do momento ideal para o início do tratamento anti-retroviral e a instituição da quimio-profilaxia de infecções oportunistas, quando indicada.

Os achados clínicos, quando presentes, limitam-se geralmente a linfadenopatia generalizada persistente, definida pela presença de hipertrofia em duas ou mais cadeias ganglionares extra-inguinais durante tempo mínimo de 3 a 6 meses, sem causa aparente. Os achados da biópsia são constituídos por hiperplasia folicular sem a presença de patógenos específicos.

Cerca de 50 a 70% dos pacientes desenvolvem linfadenopatia generalizada persistente, em que as cadeias de linfonodos mais comumente envolvidas são a cervical anterior e a cervical posterior, a submandibular, a occipital, a axilar e, com menor freqüência, a epitroclear e a femoral.

Quase sempre os linfonodos são móveis, indolores e simétricos, variando seu diâmetro entre 0,5 e 2 cm. O acometimento de gânglios do mediastino é incomum; é freqüente, no entanto, a ocorrência de hipertrofia de linfonodos mesentéricos e retroperitoneais. Não existe associação entre a detecção de linfadenopatia generalizada persistente e o prognóstico.

A maioria dos indivíduos com infecção pelo HIV não apresenta manifestações clínicas de doença e, em geral, os achados laboratoriais são inespecíficos. A duração do período que media a infecção aguda (inaparente ou sintomática) e o desenvolvimento de AIDS é muito variável; estudos prospectivos têm demonstrado que os infectados, quase sempre, permanecem assintomáticos durante período prolongado, independentemente do mecanismo pelo qual a infecção foi adquirida. Na coorte de acompanhamento de homossexuais de São Francisco (Estados Unidos), o tempo médio para o aparecimento da AIDS foi igual a 10,8 anos.

Portanto, é indispensável o acompanhamento clínico do paciente para a detecção de sinais que indiquem o avanço da deficiência imunológica e o aparecimento da AIDS. Como as alterações imunológicas surgem antes do aparecimento dos sintomas, é necessária a realização de testes laboratoriais periódicos para avaliação da imunidade celular. Mesmo assim, o médico deve estar atento para o aparecimento de manifestações da progressão da doença, que serão descritas a seguir.

3) Linfadenopatia Generalizada Persistente

Para que as pessoas infectadas pelo HIV recebam o diagnóstico de linfadenopatia generalizada persistente, devem apresentar hipertrofia dos linfonodos com duração maior que 3 meses em pelo menos duas topografias, excluindo-se a região inguinal, sem que se encontre alguma moléstia ou fator que possa explicar esse tipo de alteração, exceto a infecção pelo HIV.

A linfadenopatia generalizada persistente pode instalar-se no momento da infecção aguda pelo HIV, especialmente quando os sintomas são exuberantes, e persistir até o aparecimento da AIDS. Nos primeiros anos de vigência da epidemia, foi reconhecida como manifestação prodrômica da AIDS.

O estudo anatomopatológico dos gânglios dos pacientes com linfadenopatia generalizada persistente evidencia quase sempre a presença de hiperplasia folicular, sem a demonstração de patógenos. Com o avançar da doença, verifica-se nos linfonodos diminuição progressiva da população celular, sobretudo de linfócitos e células dendríticas foliculares, o que ocorre em paralelo com o aumento da viremia.

VII. SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA

Paralelamente à redução do número de LT-CD4+ no sangue periférico, passam a surgir os sinais e sintomas da doença AIDS.

Parte dessas manifestações clínicas são inespecíficas, denominadas sintomas constitucionais da infecção pelo HIV. Em seguida, com o agravamento do déficit imunológico, começam a surgir as condições definidoras de AIDS. que foram citadas no tópico relativo à epidemiologia e que serão apresentadas pormenorizadamente a seguir.

Trombocitopenia Imune

A trombocitopenia imune é relativamente comum e pode surgir em qualquer fase da evolução clínica da doença. Pode manifestar-se por intermédio de hematomas (seguindo-se a pequenos traumas petéquias e sangramentos incompatíveis com o tamanho da lesão).

Na maioria dos pacientes acometidos a suspeita diagnostica de AIDS é cogitada com base no resultado de exames complementares inespecíficos rotineiros, quando se detecta número de plaquetas abaixo do normal no hemograma completo.

Hemorragias gastrointestinais ou cerebrais são, felizmente, raras.

A plaquetopenia pode persistir durante meses ou anos, tornando-se mais acentuada, em alguns pacientes, com o avanço da doença. A destruição periférica das plaquetas parece ser o mecanismo responsável por esse evento. Admite-se também que a deposição de complexos imunes sobre as plaquetas e a replicação viral no interior dos megacariócitos também contribuam para o seu aparecimento. O mielograma evidencia a presença de aumento da produção de megacariócitos e de hiperplasia eritróide.

No diagnóstico diferencial de plaquetopenia isolada devem ser consideradas a trombocitopenia induzida por drogas (especialmente pelo etanol), a trombocitopenia consuntiva e a trombocitopenia por seqüestro esplénico. O aparecimento de sintomas constitucionais associados com a pancitopenia sugere a ocorrência de infecção oportunista.

Sintomas Constitucionais

Uma série de sintomas inespecíficos geralmente precedem a Instalação de doenças oportunistas, que definem a AIDS. Essas manifestações clínicas foram inicialmente conhecidas pelo nome de complexo relacionado à AIDS (ARC, AIDS related complex), quando associadas com o aparecimento de candidíase oral.

Habitualmente, o paciente começa a referir:

  1. cansaço fácil
  2. indisposição
  3. febre persistente de pequena intensidade (< 38°C)
  4. sudorese ocasional
  5. episódios de diarréia
  6. alopecia
  7. perda de peso

Na presença desses sintomas e sinais, deve-se pesquisar a presença de alguma doença oportunista, embora muitas vezes a investigação seja inconclusiva.

A introdução da moderna terapia anti-retroviral habitualmente melhora esses sintomas, porém seu efeito só é observado depois de algumas semanas de uso, entre 4 e 6 semanas, em média.

Deve-se, portanto, estimular o paciente a manter o tratamento, mesmo que os efeitos não sejam imediatos.

DEMÊNCIA ASSOCIADA À SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA

Aproximadamente um terço dos adultos e 50% das crianças com AIDS apresentam complicações neurológicas diretamente atribuídas à infecção do sistema nervoso central pelo HIV. As alterações neurológicas ocorrem mesmo na ausência de doenças oportunistas, incluindo infecções e neoplasias.

A manifestação primária de demência associada à AIDS é constituída por disfunção do tipo subcortical, com predileção pela substância branca do lobo frontal. Justifica-se o emprego da designação demência subcortical pelo fato de ser incomum, clinicamente, o aparecimento de disfunção associada com algum tipo de envolvimento cortical (tais como afasia e apraxia), e porque, patologicamente, a substância branca e a substância cinzenta subcortical estão freqüentemente acometidas.

De início, surgem dificuldade de concentração e perda parcial da memória, seguida por apatia e exclusão social, que podem ser atribuídas à presença de depressão.

Também é comum observar-se dificuldade de leitura (conseqüentemente, muitas vezes, à dificuldade de concentração). Há uma perda de iniciativa, freqüentemente evidenciada pela lentidão de raciocínio e pelas pausas prolongadas antes da resposta a uma questão. Muitas vezes o paciente se queixa de cefaléia leve. A instalação desses sintomas é lenta, necessitando muitas vezes da observação de acompanhantes ou familiares para serem notados.

As alterações motoras são menos comuns, podendo ocorrer, no entanto, dificuldade de equilíbrio e, menos freqüentemente, fraqueza e mioclonia. Convulsões manifestam-se em cerca de 10% dos casos. Podem surgir manifestações psiquiátricas, tais como depressão e psicose, mania e catatonia.

Habitualmente, o exame neurológico demostra a presença de nível normal de consciência, mesmo na fase avançada da doença. Notam-se também sinais leves de liberação piramidal, unilaterais ou bilaterais, abulia, apraxia da marcha, dis-diadococinesia, tremores e mioclonias. Em cerca de 50% dos casos o quadro neurológico é acompanhado por mielopatia vacuolar, situação em que costuma estar presente paraparesia e. na doença avançada, incontinência esfincteriana.

A tomografia computadorizada de crânio mostra aumento do volume dos ventrículos e dos sulcos, sugerindo presença de atrofia cortical; essas anormalidades podem ser acompanhadas de alterações de substância branca, o que leva à confusão com o diagnóstico de leucoencefalopatia multifocal progressiva.

A ressonância nuclear magnética confirma as alterações tomográficas, mostrando em T2 aumento da intensidade do sinal, distribuído em vários focos. Não há alterações expressivas no exame do líquido cefalorraquidiano, que pode apresentar-se com discreta pleocitose e hiperproteinorraquia.

Melhora parcial dos sintomas tem-se observado com a instituição de tratamento com zidovudina, na dose de até 1,2g por dia. Recentemente, vem sendo proposto o uso de bloqueadores de canais de cálcio e de antagonistas de receptores do N-metil-D-aspartato (utilizados no tratamento da doença de Parkinson), assim como de nitroglicerina, na prevenção e no tratamento da demência associada à AIDS"6.

VIII. DOENÇAS OPORTUNISTAS: QUADRO CLINICO E TRATAMENTO

As doenças oportunistas - infecções e neoplasias - e outras complicações decorrentes da imunodeficiência são as principais causas de morbimortalidade em doentes com AIDS. A medida que o déficit imunológico se agrava, aumenta a probabilidade de instalação de infecções oportunistas, geralmente quando o número de LT-CD4+ no sangue cai para determinados valores.

De acordo com a faixa alcançada pelo número de LT-CD4+, a ocorrência de algumas infecções torna-se mais provável que de outras, fato que permitiu estabelecer um espectro de apresentação das principais complicações na evolução natural da doença, que se correlaciona com a quantidade no sangue de LT-CD4+.

O limite de 200 LT-CD4+/mm3 no sangue periférico constitui o marco referencial que norteia o risco de adoecimento.

Muitos estudos demonstraram a possibilidade de avaliar esse risco por intermédio do número de linfócitos no sangue periférico, comparando-o com o número de LT-CD4+, recurso utilizado sobretudo em regiões pobres, onde não existe a possibilidade de quantificar os LT-CD4+, estabelecendo-se que número de linfócitos totais no sangue menor que 1.400/mm3 corresponde a número de LT-CD4+ inferior a 200/mm3 e que número de linfócitos totais menor que 1.700/mm3 corresponde a número de LT-CD4+ inferior a 350/mm3.

No Brasil, evidenciou-se que número de linfócitos no sangue periférico menor que 1.000/mm3, especialmente se a hemoglobina apresentar-se com taxa mais baixa que 13g%, mantém forte correlação com número de LT-CD4+ inferior a 200/mm3.

Existem pequenas variações geográficas na freqüência dessas manifestações oportunistas. De modo geral, essas complicações - atingindo principalmente o aparelho respiratório, o trato digestivo e o sistema nervoso central - acometem indivíduos com intenso déficit imunológico, que apresentam com muita freqüência evolução clínica grave e rapidamente fatal se não receberem tratamento apropriado.

Segundo dados do Ministério da Saúde, as infecções oportunistas que ocorrem mais comumente no Brasil, em doentes com AIDS, são constituídas por candidíase (em esôfago, traqueia, brônquios e/ou pulmão), pneumonia por Pneumocystis carinii (atualmente denominado Pneumocystis jeroveci), tuberculose, toxoplasmose, herpes simples, criptococose e criptosporidíase.

Nos países com amplo uso da moderna terapia anti-retroviral, verificou-se diminuição significativa da incidência de candidíase, neurotoxoplasmose e pneumocistose, nesses doentes.

A maioria das infecções oportunistas em doentes com AIDS resulta de reativação endógena, mais do que de infecção primária pelo patógeno envolvido. E usual que o primeiro episódio de infecção oportunista responda favoravelmente ao tratamento específico, desde que instituído precocemente. Devido ao déficit imunológico, as recorrências são comuns e poderá ser necessário indicar terapia supressiva, durante período prolongado, depois do tratamento bem-sucedido da infecção aguda.

Com o avanço dos conhecimentos relativos ao mais adequado manuseio dessas infecções e, sobretudo, devido à disponibilidade de medicamentos anti-retrovirais mais potentes, que possibilitam, muitas vezes, a reconstituição do sistema imunológico, o controle dessas infecções (e, mesmo, a cura) pode ser alcançado em grande parcela desses pacientes, com enorme repercussão na taxa de mortalidade e na qualidade de vida dos enfermos. Essa nova situação vem permitindo, inclusive, discutir e implementar a suspensão das medidas profiláticas indicadas para essas infecções, conduta anteriormente considerada inviável.

A apresentação clínica das infecções oportunistas ocorre freqüentemente de forma não habitual. A resposta imunológica alterada pode favorecer o aparecimento de sinais e sintomas inespecíficos e o desenvolvimento de evolução insidiosa, contribuindo para o aumento da dificuldade para a rápida realização do diagnóstico.

Além disso, os problemas relacionados com a tentativa de diagnosticar novo processo infeccioso, em enfermo freqüentemente debilitado e com sintomas constitucionais de duração prolongada, podem provocar retardo no início da terapia apropriada, o que influencia significativamente na evolução desfavorável de muitos casos, mesmo com a instituição posterior de tratamento específico adequado.

Entretanto, as dificuldades podem persistir mesmo quando o diagnóstico da infecção oportunista é realizado precocemente, pois a resposta à terapia instituída dependerá também do estado imunológico do paciente. Em geral, o emprego de múltiplos medicamentos em doentes com AIDS determina, com elevada freqüência, o aparecimento de efeitos adversos, os quais podem exigir a alteração dos esquemas terapêuticos em uso. Esses efeitos adversos manifestam-se predominantemente por intermédio de fenômenos imunoalérgicos, toxicidade (sobretudo hepática, neurológica e hematológica) e intolerância gastrointestinal.

DOENÇAS OPORTUNISTAS PULMONARES

Nos primeiros casos relatados de AIDS, a infecção oportunista diagnosticada foi a pneumocistose.

Desde essa época verificou-se que as infecções pulmonares eram as que ocorriam com maior freqüência, como se constituíam também nas principais responsáveis pela morte dos doentes com AIDS. No entanto, na última década do século XX, a freqüência e as características clínico-evolutivas das pneumopatias nesses enfermos sofreram alterações significativas. Muitas dessas mudanças ocorreram por causa do aumento real da incidência de infecções causadas por determinados patógenos nos doentes com AIDS e também como decorrência de alguns fatores, tais como o aperfeiçoamento das técnicas diagnosticas, a mais ampla e adequada utilização da quimioprofilaxia e, sobretudo, a melhoria das condições imunológicas do paciente garantida pelos bons resultados do tratamento específico com os modernos medicamentos anti-retrovirais.

Sabe-se que o aparelho respiratório funciona como porta de entrada para diversos microrganismos. A par disso, existem evidências de que na AIDS as defesas pulmonares, em relação ao que se verifica em outros órgãos, passam a ser menos eficientes, como conseqüência da infecção direta do HIV nos macrófagos alveolares e da produção diminuída de citocinas pelos linfócitos já acometidos pelo vírus.

Independentemente do agente etiológico envolvido, os pacientes com infecção pulmonar oportunista apresentam, com intensidade variável, sintomas respiratórios cardinais (tosse, dor torácica, dispnéia, expectoração e cianose), acompanhados ou não de febre.

Além do exame clínico cuidadoso do aparelho respiratório, a realização de radiografia e de exames complementares específicos (pesquisa direta e cultura de escarro e de sangue para os agentes mais comuns) são os procedimentos iniciais recomendados.

A indicação de outros exames complementares e de métodos diagnósticos invasivos vai depender dos resultados dos exames inicialmente realizados e de peculiaridades clínicas de cada paciente.

As complicações pulmonares que atingem os doentes com AIDS apresentam características distintas daquelas que ocorrem em outros grupos de imunodeprimidos.

Em regiões do mundo com alta incidência de tuberculose, a infecção pelo HIV favoreceu intensamente o aumento da prevalência da infecção oportunista por Mycobacterium tuberculosis. Nos países desenvolvidos, a tuberculose incide predominantemente nos grupos considerados de alto risco, tais como migrantes de regiões endêmicas e usuários de drogas injetáveis, ao lado de sua ocorrência freqüente em asilos de desabrigados, prisões e hospitais.

No Sudeste Asiático, a pneumonia causada por Penicillium marneffei constitui uma das infecções oportunistas mais comuns.

No Brasil, a tuberculose, a pneumocistose e as pneumonias bacterianas são as principais infecções respiratórias oportunistas que acometem doentes com AIDS.

Como já se assinalou, a capacidade de um agente infeccioso causar doença em doentes com AIDS também conserva relação proporcional com o número de LT-CD4+ no sangue. Geralmente, a tuberculose costuma apresentar reativação mais precoce, enquanto a pneumocistose se manifesta em enfermos com imunodeficiência mais acentuada (com número de LT-CD4+ inferior a 200/mm3).
As complicações pulmonares não constituídas por infecções oportunistas também acometem com maior freqüência os doentes com AIDS. A neoplasia maligna encontrada mais comumente é o sarcoma de Kaposi, seguido pelos linfomas. Na década de 1990 passou a ser relatado aumento da incidência de adenocarcinoma pulmonar em doentes com AIDS.

Embora rara em adultos, a pneumonia linfocítica intersticial é relativamente comum em crianças. Apresenta-se sob a forma de infiltrado pulmonar constituído por linfócitos, plasmócitos e imunoblastos, cujo quadro clínico apresenta evolução crônica ou subaguda, com tosse seca na presença ou ausência de febre.

Na radiografia de tórax encontra-se infiltrado reticulo-nodular difuso ou focal. O diagnóstico é feito com base no resultado do exame histopatológico de fragmento de pulmonar obtido preferencialmente por biópsia a céu-aberto, uma vez que quando feita por broncoscopia a positividade é de apenas 30 a 50%. Para o tratamento da pneumonia Iinfocítica intersticial recomenda-se a administração de corticosteróide, além do uso de medicamentos anti-retrovirais.

Considerando-se a gravidade acentuada presente ou potencial das infecções oportunistas, em doentes com AIDS intensamente imunodeprimidos, muitas vezes se impõe a indicação de tratamento empírico com antimicrobianos e/ou antivirais e/ou antiparasitários. Por isso, deve-se recorrer a informações que possam orientar o diagnóstico clínico, com a realização de história e exame físico minuciosos, obtenção pormenorizada de dados epidemiológicos e conhecimento preciso do tempo de evolução da doença e dos medicamentos profiláticos utilizados.

Sabe-se, porém, que o quadro clínico auxilia apenas parcialmente no raciocínio para o estabelecimento do diagnóstico, diante das diversas hipóteses viáveis. Entre as diversas causas de complicações pulmonares, a pneumonia por Pneumocystis carinii é a que determina as maiores taxas de ietalidade e deve ser tratada empiricamente, considerando-se os sinais e sintomas pulmonares presentes e os resultados da radiografia de tórax e dos exames complementares inespecíficos.

A radiografia de tórax deve ser realizada na avaliação em todo doente com AIDS que apresente alterações respiratórias. Embora muitas anormalidades sejam comuns às diversas enfermidades infecciosas e não infecciosas, alguns padrões são sugestivos da participação de determinados agentes.

Devem ser colhidas amostras de escarro para a investigação da presença de bactérias, fungos, micobactérias e Pneumocystis carinii, encaminhadas para pesquisa direta e cultura (bactérias, micobactérias e fungos).

Todo material recuperado por meio de técnicas broncoscópicas ou de biópsia realizada a céu aberto deve ser submetido a exame histopatológico, empregando-se métodos de coloração adequados para bacilos álcool-ácido-resistentes, fungos e Pneumocystis carinii. As amostras devem ser semeadas em culturas para bactérias aeróbias e anaeróbias, fungos e micobactérias, além de culturas celulares para citomegalovírus, quando disponíveis. O exame histopatológico deve ser realizado em amostras de tecidos submetidas a colorações específicas para os agentes infecciosos mais comumente envolvidos; deverá também ser investigada a presença de neoplasias.

TRATAMENTO DA PNEUMONIA LEVE COM PNEUMOCYSTIS:

PRIMEIRA OPÇÃO:

SMX-TMP 800+160 mg 2 comprimidos VO três vezes ao dia por 14-21 dias.

Se necessário ajustar dose de acordo com peso do paciente (75 mg/kg/dia de SMX ou 15 mg/kg/dia de TMP)

ALTERNATIVA:

Clindamicina 300-450 mg VO (ou 600 mg IV), três vezes ao dia mais primaquina 15 mg VO por 21 dias; ou Dapsona 100 mg VO UID mais TMP 15 mg/kg/dia VO dividido em 3 ou 4 doses por 21 dias

TRATAMENTO DA PNEUMONIA GRAVE COM PNEUMOCYSTIS:

PRIMEIRA OPÇÃO:

Prednisona 40 mg VO BID por 5 dias, seguido de 40 mg VO UID por 5 dias, seguido de 20 mg VO UID por 10 dias.
Iniciar preferencialmente 15-30 minutos antes do início do SMX-TMP e no máximo 72 horas após

SMX-TMP (75 mg/kg/dia de SMX ou 15 mg/kg/dia de TMP) VO ou IV dividido em 3 ou 4 doses por 21 dias

ALTERNATIVA:

Prednisona, 40 mg VO BID por 5 dias, seguido de 40 mg VO UID por 5 dias, seguido de 20 mg VO UID por 10 dias, associado à:

  • Clindamicina 900 mg IV TID mais primaquina 15 mg VO por 21 dias;
  • Pentamidina 4 mg/kg/dia IV UID por 21 dias

 

PNEUMONIAS BACTERIANAS

Além do déficit de imunidade celular, o comprometimento dos mecanismos humorais de defesa envolvidos com as respostas antiinfecciosas nos doentes com AIDS favorece a instalação de infecções bacterianas pulmonares, principalmente as causadas por bactérias capsuladas (Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae etc). Em geral, as pneumonias, principalmente a pneumocócica, costumam manifestar-se precocemente em doentes com AIDS, sobretudo nas crianças, podendo ocorrer antes mesmo do estabelecimento do diagnóstico da retrovirose.

Sabe-se que a incidência das pneumonias bacterianas é maior nos doentes com AIDS do que na população geral, sendo os principais agentes envolvidos Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae, Staphylococcus aureus e bacilos gram-negativos entéricos, em particular Klebsiella pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa. Além de Staphylococcus aureus, outro bacilo gram-positivo aeróbico, Rhodococcus equi, tem sido descrito como agente incomum de pneumonia em enfermos com AIDS, na qual a apresentação clínica pode ser indolente, com febre e tosse durante várias semanas. Rhodococcus equi pode ser álcool-ácido-resistente e ser diagnosticado de forma incorreta como micobactéria; a presença de abundantes cocobacilos pleomórficos Gram-positivos no exame direto de esfregaço corado pelo método de Gram, ou obtidos em meio de cultura, devem levar à suspeita da participação etiológica dessa bactéria como agente da pneumonia.

Pseudomonas aeruginosa é causa de freqüente pneumonia comunitária em doentes com AIDS, cuja doença encontra-se em estágio avançado, com manifestações que variam desde quadro agudo com evolução fulminante para sepse, até quadros com evolução crônica ou subaguda. A bacteriemia está presente em cerca de 50% dos casos e a ocorrência de recidiva é usual.

A nocardiose (Nocardia sp.) é infecção pulmonar que se verifica com menor freqüência em doentes com AIDS, apresentando-se sob a forma aguda, subaguda ou crônica, com febre, tosse, dispnéia, dor pleurítica, perda de peso e, algumas vezes, com escarro hemoptóico.

A radiografia de tórax evidencia a presença de comprometimento pulmonar unilateral em 82% dos casos, com infiltrado ou cavitação nos ápices e, menos comumente, derrame pleural. A esses achados que levam à confusão com tuberculose, soma-se o fato de o exame direto do esfregaço de amostras de escarro evidenciar a presença de bactérias álcool-ácido-resistentes.

Infecção por Legionella pneumophila constitui causa incomum de pneumonia em doentes com AIDS, mas deve ser considerada, especialmente em indivíduos hospitalizados.

Nos doentes com AIDS as manifestações clínicas das pneumonias bacterianas são semelhantes às observadas em pessoas sem essa retrovirose.

O início geralmente é súbito, com tosse produtiva, dor torácica e febre, instalando-se em seguida dispnéia e taquipnéia. A maioria dos doentes apresenta leucocitose com desvio à esquerda, sobretudo na fase inicial da AIDS. As bacteremias podem ocorrer em 25 a 75% dos casos, ao contrário do que se verifica nos indivíduos HIV-negativos, nos quais ocorre em apenas cerca de 30% dos casos.

Embora as alterações da radiografia de tórax possam contribuir para a suspeita do diagnóstico etiológico das pneumonias bacterianas, em doentes com AIDS, o diagnóstico diferencial é freqüentemente difícil de ser estabelecido com segurança. A presença de consolidação lobar é característica da pneumonia causada por pneumococo, mas pode ocorrer com outros agentes. No entanto, lesões bilaterais e infiltrado intersticial podem ser encontrados em até 40% dos doentes com pneumonia pneumocócica e AIDS.

Infiltrados intersticiais difusos também têm sido descritos em pneumonias por Haemophilus influenzae. Nas pneumonias cavitárias deve-se suspeitar do envolvimento de Staphylococcus aureus, freqüente em usuários de drogas injetáveis por via intravenosa, além de Pseudomonas aeruginosa e Rhodococcus equi, em que costuma ocorrer infiltrado lobar prévio.

O diagnóstico diferencial deve ser feito prioritariamente com pneumonia por Pneumocystis carinii e por micobactérias.

O tratamento das pneumonias inclui o uso de antimicrobianos e medidas de suporte respiratório e nutricional, hidratação, manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico, identificação e tratamento precoce das complicações pulmonares (abscesso, empiema e síndrome da angústia respiratória aguda, entre outras) e extrapulmonares (meningite, pericardite e sepse). Nos doentes hospitalizados, sobretudo nos que apresentam dificuldade de locomoção - o que se observa em fases mais avançadas da AIDS - a fisioterapia pulmonar, orientada por profissional experiente, tem papel fundamental na recuperação.

As pneumonias bacterianas adquiridas na comunidade em enfermos com AIDS, desde que sejam leves ou moderadas, podem ser tratadas em ambulatório, com o emprego de antimicrobianos modernos com espectro de atividade adequado, potência e comodidade posológica, além da possibilidade de administração por via oral, tais como algumas fluoroquinolonas e os novos macrolídeos.

Em enfermos nos quais a doença é mais leve pode recorrer-se à administração, também por via oral, da combinação amoxicilina clavulanato. Os casos mais graves de pneumonia bacteriana exigem que o tratamento seja feito com o doente hospitalizado, recorrendo-se a cefalosporinas de terceira geração e a fluoroquinolonas. Havendo suspeita ou confirmação de que o agente etiológico da pneumonia é Staphylococcus aureus, a escolha do antimicrobiano deve recair sobre oxacilina ou glicopeptídeo (vancomicina ou teicoplanina), a depender dos resultados dos testes de sensibilidade.

Apesar de ser habitualmente grave o prognóstico da pneumonia bacteriana em doentes com AIDS, a maioria dos casos responde bem ao tratamento instituído, desde que adequado, com exceção dos enfermos com AIDS em fase avançada, acometidos por pneumonias hospitalares, nos quais é alta a taxa de letalidade. Já as pneumonias comunitárias por Pseudomonas aeruginosa e as adquiridas em ambiente hospitalar exigem o emprego de antimicrobianos ativos contra bacilos Gram-negativos não fermentadores, tais como cefepima, ciprofloxacina, ceftazidima, piperacilina-tazobactam, meropenem e imipenem.

Em decorrência da elevada taxa de letalidade das pneumonias hospitalares, uma vez feito o diagnóstico de pneumonia bacteriana, é imperioso o início de terapia empírica, logo após a coleta de amostras de sangue para a realização de culturas apropriadas, cujo resultado poderá contribuir para a mudança ou a manutenção da conduta, no decorrer do tratamento.

Tem sido avaliado o emprego de diversas vacinas, imuno-globulinas e medidas preventivas das pneumonias em doentes com AIDS. O CDC dos Estados Unidos recomenda a vacinação anti-pneumocócica 23 valente, em duas doses aplicadas com intervalo de 5 anos, mas sua eficiência tem sido colocada em dúvida.

A utilização da vacina contra infecções por Haemophilus influenzae não é recomendada para adultos, mas apenas para crianças. De modo geral, a resposta sorológica após a vacinação está na dependência do grau do déficit imunológico apresentado pelo paciente. Assim, quanto mais precoce a administração de vacinas, maior a probabilidade de obter-se a proteção desejada.

No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda vacinar o mais precocemente possível os pacientes infectados pelo HIV (pessoas assintomáticas) cujo número de LT-CD4+ no sangue estiver próximo do normal. Nos doentes com AIDS, cujo número de LT-CD4+ no sangue for menor que 200/mm3 (ou inferior a 15% do valor normal), deve-se postergar o emprego de vacinas até que grau satisfatório de reconstituição imune seja alcançado, com a instituição do tratamento anti-retroviral.

A imunoprofilaxia passiva, por intermédio da administração de imunoglobulina humana intravenosa, foi utilizada em crianças durante muitos anos, com a finalidade de diminuir a incidência de infecções bacterianas. No entanto, estudos recentes demonstraram a ineficácia dessa conduta quando é menor que 200/mm3; o número de LT-CD4+ no sangue, tendo-se também verificado que não interfere no tempo de sobrevida das crianças que a recebem. Em adultos não foram realizados estudos controlados para avaliar a eficácia do uso de imunoglobulina humana intravenosa na prevenção ou tratamento de infecções bacterianas recorrentes, motivo pelo qual seu emprego não é indicado.

TUBERCULOSE

A tuberculose é uma das doenças que causaram grande impacto no panorama criado pela pandemia da AIDS, assumindo peculiaridades clínico-evolutivas que tornaram prioritário seu estudo, tanto no campo científico quanto na área da saúde pública. Nos doentes com AIDS:

  1. A infecção primária por Mycobacterium tuberculosis evolui com maior freqüência para tuberculose-doença.
  2. Os focos latentes de Mycobacterium tuberculosis reativam mais rapidamente do que em pessoas sem AIDS.
  3. E mais provável a evolução para tuberculose disseminada do que em pessoas sem AIDS

A co-infecçâo AIDS-tuberculose torna-se mais relevante em países cultural e socioeconomicamente subdesenvolvidos, nos quais a prevalência da tuberculose é elevada e a incidência de AIDS continua crescendo. A última revisão do sistema de classificação da infecção pelo HIV feita pelo CDC reforçou a importância da tuberculose associada à AIDS.

Antes não considerada como condição definidora de AIDS, a tuberculose, em qualquer localização, em doente com infecção pelo HIV, passou a ser incluída entre as condições oportunistas definidoras do diagnóstico de AIDS. A despeito do aumento dos conhecimentos, nos últimos anos, sobre a patogênese, as manifestações clínicas, o tratamento e a prevenção da tuberculose nos doentes com AIDS, muitos desafios ainda deverão ser enfrentados e superados, exigindo esforço mundial para o alcance do seu controle.

Estabeleceu-se em nosso país que todos os doentes com tuberculose devem ser submetidos a teste sorológico para o diagnóstico da infecção por HIV, para afastar ou estabelecer a existência da co-infecção, independentemente da presença de fatores de risco. A elevada prevalência de tuberculose e a maior suscetibilidade dos doentes com AIDS a essa infecção onstituem argumentos que fundamentam essa recomendação. Além disso, o diagnóstico precoce da infecção pelo HIV trará benefícios potenciais óbvios ao prognóstico dos casos.

Em imunocompetentes, a infecção primária por Mycobacterium tuberculosis é geralmente contida pela resposta aintiinfecciosa de imunidade celular, ocorrendo só raramente tuberculose primaria.

Os LT-CD4+ (linfócitos T auxiliares) produzem citocinas, particularmente interferon-gama, que ativam os macrófagos para fagocitar e destruir as micobactérias.

Quer dizer, a maioria das infecções primárias por Mycobacterium tuberculosis em pessoas imunocompetentes evolui para cura ou infecção latente, Um percentil de 5% desses indivíduos, durante toda a vida, apresenta reativação de foco latente e desenvolvimento de tuberculose-doença.

Já nos doentes com AIDS, a infecção latente por Mycobacterium tuberculosis apresenta taxa de reativação muito maior, de aproximadamente 5 a 12% ao ano.

Essa maior susceptibilidade a Mycobacterium tuberculosis de doentes com AIDS está em parte relacionada com o padrão de citocinas produzidas por seus LT-CD4+.

Linfócitos Th 1, produtores de interferon gama. são fundamentais para a defesa imune contra Mycobacterium tuberculosis.

Já os linfócitos Th2, produtores de IL-4 e IL-10, não contribuem para a defesa antiinfecciosa contra Mycobacterium tuberculosis. Quando linfócitos de sangue periférico de pacientes co-infectados (com AIDS e tuberculose) foram colocados em contato, in vitro, com Mycobacterium tuberculosis, produziram menor quantidade de interferon gama, mas quantidades similares de IL-4 e IL-10, se comparadas com a quantidade dessas citocinas produzidas por linfócitos de pessoas com tuberculose não infectadas pelo HIV.

Esses achados sugerem que a resposta Th1 reduzida em pacientes infectados pelo HTV contribui para a maior suscetibilidade à tuberculose.

Quanto à evolução da AIDS, há evidências de que a infecção por Mycobacterium tuberculosis provoque o aumento da replicação do HIV

Houve crescimento da taxa de replicação do HIV em macrófagos alveolares e linfócitos de pacientes afetados por esse vírus, quando essas células em meio de cultura foram expostas ao bacilo da tuberculose; esse fenômeno é conhecido como transativação heteróloga do HIV

Em outros estudos, verificou-se aumento da replicação do HIV em linfócitos ativados expostos ao líquido pleural de doentes com tuberculose, assim como se demonstrou em doentes com AIDS e tuberculose que a concentração do RNA do HIV era maior em lavado broncoalveolar obtido de áreas do pulmão comprometidas pela tuberculose. Mycobacterium tuberculosis provoca aumento da replicação viral provavelmente pelo fato de induzir os macrófagos a produzir fator de necrose tumoral, IL-1 e IL-6. Estudos clínicos também têm demonstrado o efeito deletério da tuberculose na história natural da infecção pelo HIV; verificou-se que o risco de morte nos doentes com AIDS e tuberculose é cerca de duas vezes maior do que em doentes com AIDS sem tuberculose, independentemente do número de LT-CD4+ no sangue. Apesar disso, a elevada mortalidade de doentes com AIDS e tuberculose parece estar relacionada predominantemente com a progressão da infecção pelo HIV do que com a tuberculose. Há evidências de que o grau de imunodeficiência constitui o fator mais importante para o tempo de sobrevida dos co-infectados.

A tuberculose pode manifestar-se precocemente nos enfermos com AIDS, mesmo naqueles com número de LT-CD4+ no sangue superior a 200/mm3. A medida que ocorre aumento do grau de imunodeficiência nos doentes com AIDS, a disseminação sangüínea do bacilo da tuberculose e o aparecimento de comprometimento extrapulmonar se tornam mais comuns.

O envolvimento pulmonar por Mycobacterium tuberculosis ocorre na maioria (70 a 90%) dos doentes com AIDS e tuberculose. No entanto, a presença de tuberculose extrapulmonar ou disseminada é mais comum em doentes com AIDS do que na população geral. Em enfermos com AIDS e febre prolongada de etiologia não determinada deve investigar-se a presença de tuberculose extrapulmonar. Linfonodos, fígado e baço constituem as localizações mais freqüentes da tuberculose extrapulmonar em doentes com AIDS.

Ao contrário do que se observa em pessoas não infectadas pelo HIV, em que a tuberculose peritoneal costuma apresentar-se com ascite, nos doentes com AIDS a localização abdominal da tuberculose caracteriza-se pela presença de lesões viscerais e hipertrofia de linfonodos retroperitoneais.

O quadro clínico de meningite tuberculosa é semelhante tanto em doentes com AIDS quanto em pessoas imunocompetentes, exceto pela maior freqüência de lesões expansivas intracerebrais observada nos primeiros.

Em relação à radiografia de tórax, os doentes com AIDS e tuberculose nos quais o número de LT-CD4+ no sangue é maior que 200/mm3 apresentam alterações semelhantes às encontradas em pessoas HIV-negativas com tuberculose, ou seja, infiltrados em lobos superiores e cavitação.

Já nos doentes com AIDS com número de LT-CD4+ no sangue inferior a 200/mm3, é comum o encontro de linfadenomegalia mediastinal, situação semelhante à detectada em crianças HIV-negativas com tuberculose primária.

Derrame pleural tem sido encontrado em 27% dos doentes com AIDS e tuberculose que apresentam número de LT-CD4+ no sangue superior a 200/mm3, mas em apenas 10% daqueles com menos de 100/mm3. Em cerca de 5% desses enfermos, com pesquisa positiva de bacilos álcool-ácido-resistentes (BAAR) no escarro, a radiografia de tórax é normal.

A presença de AIDS - sobretudo nos doentes com imunodeficiência muito intensa — pode interferir no diagnóstico de tuberculose. A freqüência de sintomas não específicos nesses enfermos é maior e o quadro clínico de tuberculose pode ser semelhante ao de outras infecções oportunistas, tais como pneumocistose e histoplasmose. A história clínica e os exames bacteriológicos convencionais (baciloscopia e cultura), juntamente com o exame radiológico, continuam sendo a base para o diagnóstico de tuberculose, inclusive nos doentes com AIDS. Novos métodos diagnósticos mais sensíveis e específicos têm-se somado aos convencionais, possibilitando diagnóstico mais rápido.

A baciloscopia continua sendo recurso essencial para o diagnóstico de tuberculose.

Coleta matinal de três amostras de escarro expectorado espontaneamente, para pesquisa de BAAR, deve ser indicada rotineiramente para todos os enfermos com suspeita de tuberculose com envolvimento pulmonar. Expectoração induzida, para obtenção de escarro, ou realização de broncoscopia para a colheita de secreção respiratória podem ser indicadas se não houver expectoração espontânea. A sensibilidade e a especificidade da pesquisa de BAAR no escarro ou em secreções respiratórias foram avaliadas em diversos estudos, com resultados variáveis. A pesquisa de BAAR só costuma ser positiva em amostras com a presença de, no mínimo, 5.000 bacilos/mm3 de escarro ou secreção, fato que limita sua sensibilidade. Doentes com AIDS e tuberculose pulmonar são menos bacilíferos do que pessoas com tuberculose sem AIDS. No entanto, a sensibilidade da pesquisa de BAAR em amostras de escarro eliminado espontaneamente foi semelhante em enfermos que apresentavam tuberculose pulmonar com ou sem AIDS, não tendo sido maior tanto em escarro obtido por expectoração induzida quanto em secreções respiratórias colhidas durante broncoscopia.

E importante lembrar que a detecção de BAAR em esfregaço de escarro de doente com AIDS pode corresponder à presença não de Mycobacterium tuberculosis, mas de outra micobactéria, particularmente em indivíduos com número muito baixo de LT-CD4+ no sangue. Micobatérias tais como Mycobacterium avium (MAC) e Mycobacterium gordonae são freqüentemente encontradas em escarro de doentes com AIDS cujo número de LT-CD4+ no sangue é inferior a 50/mm3. No entanto, se o enfermo apresenta expectoração suficiente para possibilitar a pesquisa de patógenos no escarro, é prudente - até prova em contrário -considerar qualquer micobactéria encontrada no escarro como sendo Mycobacterium tuberculosis.

Novas técnicas que permitem demonstração rápida do crescimento de micobactérias foram desenvolvidas, possibilitando a redução do tempo necessário para o diagnóstico de tuberculose.

O sistema radiométrico (BACTEC), cuja base se refere à detecção de gás carbónico (CO2) marcado com carbono 14 (C14), tem a vantagem de revelar a presença de micobactéria em tempo muito menor que o exigido pela cultura convencional em meio de Lówenstein-Jensen, antecipando, dessa forma, o momento de decisão sobre o início ou não do tratamento da tuberculose. Os resultados relativos à identificação e ao teste de sensibilidade são comparáveis aos dos métodos convencionais, no entanto mais rápidos. A detecção de Mycobacterium tuberculosis pelo BACTEC leva de 9 a 16 dias, variando de acordo com o número de microrganismos presentes na amostra.

Foi em média de 8 dias o tempo necessário para a recuperação de Mycobacterium tuberculosis, por meio desse método, em amostras de escarro nas quais a pesquisa direta de BAAR foi positiva, enquanto esse tempo foi de 18 dias, em média, empregando-se a cultura convencional. Para as amostras com baciloscopia negativa, o tempo necessário para a demonstração da presença da micobactéria foi de 14 dias, usando-se o BACTEC, e de 26 dias, com os meios de cultura convencionais.

O sistema radiométrico (BACTEC) tem algumas desvantagens, tais como alto custo, não permitir avaliação morfológica das colônias, necessidade do emprego de material radioativo e possibilidade de contaminação cruzada por manuseio indevido.

Embora tenha havido redução significativa no período necessário para o diagnóstico definitivo da tuberculose, empregando-se o BACTEC. são ainda necessários pelo menos 10 dias para a identificação de Mycobacterium tuberculosis, o que ainda constitui tempo muito prolongado.

Novos testes foram desenvolvidos com o objetivo de identificar o RNA ribossómico ou o DNA de Mycobacterium tuberculosis em amostras de secreções ou de tecidos em período tão curto quanto 24h. Assinale-se que esses métodos modernos (denominados testes rápidos), que se tornaram viáveis por causa dos avanços da biologia molecular, não substituem os antigos. Foram eles aprovados pela agência responsável pelo controle de alimentos e medicamentos nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), para uso apenas em amostras obtidas do trato respiratório, com pesquisa de BAAR positiva, em doentes que tenham recebido tratamento antituberculose por não mais que 7 dias.

Nesse contexto, os testes rápidos apresentaram sensibilidade e especificidade superiores a 95%. Em amostras de escarro negativas para BAAR. sua sensibilidade variou de 40 a 77%, mas sua especificidade foi maior que 95%.

Os testes rápidos são onerosos (custo de 50 a 100 dólares por teste) e devem ser indicados primariamente em situações nas quais seu resultado possa exercer influência sobre a decisão de iniciar ou não o tratamento da tuberculose ou de realizar ou não outros exames para a definição do diagnóstico.

A análise de isolados de Mycobacterium tuberculosis por intermédio de polimorfismo dos fragmentos de DNA obtidos por ação de enzimas de restrição (RFLP, restriction-fragment-length polimorphism) constitui outro método recentemente desenvolvido que permite a identificação de determinadas cepas de Mycobacterium tuberculosis, possibilitando documentar a transmissão da doença entre algumas pessoas.

O emprego de RFLP tem permitido provar que a ocorrência de infecção recente ou de reinfecção é bem mais comum como causa de tuberculose em doentes com AIDS do que se admitia anteriormente. Infecção primária pode ser responsável por até 40% dos novos casos de tuberculose em doentes com AIDS, sobretudo em áreas urbanas de países desenvolvidos.

O método de RFLP é empregado mais freqüentemente para confirmar quais os surtos de tuberculose que estão relacionados com transmissão recente. No entanto, pode também contribuir para decisões clínicas, em doentes com AIDS e tuberculose. Quando uma amostra de escarro negativa para BAAR é positiva para Mycobacterium tuberculosis na análise por RFLP, mas os achados clínicos não são consistentes com o diagnóstico de tuberculose, a possibilidade de um resultado falso-positivo devido à contaminação cruzada com uma amostra de outro paciente pode ser avaliada comparando-se os padrões de RFLP das duas amostras.

Padrões de RFLP idênticos sugerem fortemente a ocorrência de contaminação cruzada da amostra de escarro, evitando o uso desnecessário de medicamentos contra a tuberculose. O emprego de RFLP também pode ser útil quando duas amostras de Mycobacterium tuberculosis isoladas de um mesmo paciente apresentam diferentes perfis de sensibilidade aos medicamentos antituberculose.

Em doentes com AIDS e tuberculose, em que o bacilo é sensível aos medicamentos de primeira linha, o tratamento padrão (poliquimioterapia durante 6 meses) resulta em esterilização do escarro e baixa freqüência de falha terapêutica, com resultados semelhantes aos obtidos no tratamento da tuberculose em pessoas não infectadas pelo HIV. Em outras palavras, o tratamento da tuberculose em doentes com AIDS é tão eficiente quanto o tratamento da tuberculose em enfermos HIV-negativos, desde que sejam garantidas boa adesão e terapia eficaz por tempo prolongado.

Não havendo suspeita de resistência aos medicamentos antituberculosos, o esquema habitualmente recomendado é o constituído pela associação de rifampicina, isoniazida e pirazinamida. administradas durante dois meses, seguida pelo uso, durante mais quatro meses, de rifampicina e isoniazida.

Em países onde a taxa de resistência primária à isoniazida é maior que 4%, um quarto medicamento, de preferência o etambutol, deve ser acrescentado ao esquema inicial, mantido durante 6 meses ou até que a eficácia da rifampicina e da isoniazida tenha sido confirmada por meio de testes de sensibilidade. As recomendações do CDC estabeleceram que a duração mínima do tratamento da tuberculose em doentes com AIDS é de 6 meses, podendo estender-se por pelo menos mais 3 meses, dependendo da resposta terapia e dos resultados dos exames complementares. Os doentes com resposta lenta ao tratamento devem receber os medicamentos específicos durante período mais prolongado.
Falhas terapêuticas ou recidivas quase sempre são secundárias à baixa adesão, problema freqüente em algumas subpopulações de doentes com tuberculose e AIDS. Outras causas menos comuns de falha terapêutica são constituídas por resistência primária e má absorção intestinal dos medicamentos antituberculosos. Com a finalidade de contornar o problema constituído pela baixa adesão ao tratamento e evitar a emergência de tuberculose causada por cepas multirresistentes, tem-se recomendado a instituição da terapia diretamente supervisionada da tuberculose em doentes com AIDS.

Essa estratégia demonstrou-se custo-efetiva e benéfica, aumentando as taxas de cura. Diferentemente de outras infecções oportunistas relacionadas com a AIDS. não se recomenda depois de finalizado o tratamento da tuberculose a manutenção do uso de medicamentos específicos.

Tratamento empírico antituberculoso empírica é freqüentemente indicado a doentes com AIDS que apresentam quadro clínico suspeito de tuberculose, sem outra causa aparente. Justifica-se essa conduta só depois de esgotadas todas as tentativas de se obterem amostras representativas, para estudos microbiológicos, antes do início do tratamento, com o objetivo não só de confirmar o diagnóstico, mas também o de realizar lestes de sensibilidade.

ATENÇÃO!

Na co-infecção AIDS-tuberculose, especial atenção deve ser dada às interações entre os medicamentos, sobretudo quando se precisa recorrer a tratamento anti-retroviral de alta potência HAART, highly active antiretroviral therapy). Essa estratégia terapêutica adotada nos últimos anos melhorou de maneira   significativa o prognóstico dos doentes com AIDS, mas tem criado dificuldades para definição do esquema terapêutico contra a tuberculose. As rifampicinas interagem extensamente com ambos os inibidores da protease (IP) e da transcriptase reversa não análogos de nucleosídeos (ITRNN), medicamentos fundamentais nos esquemas de tratamento anti-retroviral. A rifampicina é a que mais freqüentemente se associa com interações farmacológicas, induzindo com forte intensidade o sistema enzimático P-450 CYP3A, fazendo diminuir a concentração sérica dos IP e dos ITRNN. Esse efeito acarreta concentrações sangüíneas subterapêuticas desses medicamentos, com conseqüente supressão incompleta do HIV e maior possibilidade de emergência de linhagens de HIV resistentes aos anti-retrovirais.

Ainda como parte dessas interações, alguns anti-retrovirais podem inibir o metabolismo da rifampicina, elevando sua concentração sérica e tecidual e aumentando os riscos de toxicidade. Desse modo, embora estudos farmacocinéticos tenham demonstrado que a rifampicina pode ser utilizada concomitantemente com alguns anti-retrovirais em doentes com AIDS. essa conduta deve ser bem analisada e as doses dos anti-retrovirais, em geral, necessitam ser modificadas.

O emprego de esquemas alternativos sem rifampicina para o tratamento da tuberculose - com a finalidade de não interferir no tratamento anti-retroviral - apesar de apresentar bons resultados do ponto de vista bacteriológico, tem apresentado efetividade terapia reduzida, por causa da maior complexidade do esquema, da maior dificuldade de adesão ao uso de medicamento injetável (estreptomicina) e da necessidade de admi-rtstração durante tempo mais prolongado. A rifabutina constitui alternativa para a rifampicina. Trata-se de medicamento menos ativo do que a rifampicina na indução do sistema enzimático ?-50 CYP3A e, por esse motivo, parece exercer menor efeito na redução dos níveis séricos dos anti-retrovirais. A rifabutina tem-se mostrado tão eficaz quanto a rifampicina no tratamento ca tuberculose e parece ser mais bem tolerada, podendo ser prescrita mesmo para doentes em que o uso prévio de rifampicina provocou efeito tóxico. No Brasil, entretanto, a rifabutina não tem sido empregada com freqüência no tratamento da tuberculose, como alternativa à rifampicina.


Segundo as recomendações do Ministério da Saúde para o tritamento anti-retroviral de adultos e adolescentes com AIDS, qualquer associação aceitável de inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos (ITRN) pode ser empregada para pacientes que necessitem de rifampicina e outros medicamentos contra a tuberculose.

Em associação com os ÍTRN, três opções de medicamentos anti-retrovirais podem ser consideradas, com segurança, para o tratamento desses doentes:

    1. Adição de efavirenz nas doses usuais.
    2. Adição de saquinavir, reforçado com ritonavir, nas doses de 400/400 mg ou 1.000/100 mg.
    3. Adição de abacavir nas doses usuais

Apesar de ser considerada doença oportunista, a tuberculose com características usuais, apresentando padrão radiológico de acometimento apical, não caracteriza necessariamente comprometimento significativo da imunidade ou falha da terapia anti-retroviral porventura já instituída.

O adoecimento por tuberculose promove freqüentemente o fenômeno de transativação heteróloga do HIV, com elevação da carga viral e diminuição do número de LT-CD4+, ambas transitórias e dependentes da atividade da doença. Isso dificulta a interpretação desses parâmetros, com vista ao início e/ou à seleção do esquema anti-retroviral a ser instituído, em vigência de tuberculose ativa sem tratamento específico.

Estudos recentes sugerem, ainda, que o tratamento isolado da tuberculose, em enfermos com a co-infecção HIV-tuberculose que não estejam em uso de medicamentos anti-retrovirais, reduz por si só a carga viral plasmática. Assim, considerando-se que a terapia anti-retroviral não é uma emergência médica, sugere-se aguardar a estabilização do quadro clínico para a instituição do HAART.

Idealmente, deve-se proceder, no sangue, à contagem dos LT-CD4+ e à quantificação do HIV (carga viral) 30 a 60 dias depois do início da terapia antituberculosa, utilizando-se esses parâmetros para a indicação da terapia anti-retroviral.

Os efeitos adversos aos medicamentos contra a tuberculose são mais freqüentes nos indivíduos com infecção pelo HIV do que na população geral.

Entre as principais reações adversas relacionadas com o tratamento da tuberculose, a de maior importância em doentes com AIDS, que pode determinar a suspensão do tratamento, é a hepatite.

Em doentes com AIDS. agravamento paradoxal do quadro clínico da tuberculose pode ocorrer quando a terapia anti-retroviral é iniciada precocemente ou concomitantemente em relação ao tratamento da tuberculose; depois de melhora clínica inicial, febre elevada, aumento dos linfonodos periféricos e mediastinais, lesões expansivas no sistema nervoso central e/ou intensificação do infiltrado pulmonar podem ocorrer em até 36% dos casos.

Comparativamente, apenas 7% dos enfermos submetidos a tratamento contra a tuberculose, sem uso concomitante de terapia anti-retroviral, apresentam reação paradoxal. Redução significativa na carga viral e aumento marcante na reatividade do teste intradérmico realizado com PPD (tuberculina) acompanham a reação paradoxal, sugerindo que essa reflita o fortalecimento do sistema imune, como resultado da terapia anti-retroviral. Em doentes cujas manifestações clínicas são compatíveis com a ocorrência de reação paradoxal, outros diagnósticos devem ser descartados. As reações paradoxais são autolimitadas e geralmente têm a duração de 10 a 40 dias. Na ausência de sinais bacteriológicos de falha terapêutica, o tratamento anti-retroviral ou antituberculoso não deve ser modificado ou interrompido. Em alguns casos, nos quais a reação paradoxal é muito intensa, pode-se indicar a administração durante alguns dias de glicocorticóide (prednisolona, por exemplo), por via oral.

Vários estudos demonstraram ser mais freqüente em doentes com AIDS o aparecimento de resistência aos medicamentos antituberculosos. Nos Estados Unidos, demonstrou-se que a incidência de resistência à isoniazida e à rifampicina foi igual a 11,3 e a 8,9%, respectivamente, em doentes com AIDS e tuberculose. Essas taxas foram duas vezes maiores do que as observadas em pacientes HIV-negativos. A ocorrência de Mycobacterium tuberculosis resistente à rifampicina, mas sensível à isoniazida (monorresistência à rifampicina) é mais comum em doentes com AIDS do que em indivíduos imunocompetentes.

TUBERCULOSE MULTIRESISTENTE

O desenvolvimento de tuberculose resistente à rifampicina associa-se com não-aderência ao tratamento, imunodeficiência intensa e/ou presença de doença pulmonar bacilífera. A tuberculose multirresistente (TBMR) caracteriza-se pela presença de resistência à rifampicina e à isoniazida, pelo menos, podendo haver ou não resistência a outros medicamentos antituberculosos.

Foi de 5% a prevalência média de TBMR no mundo, no período compreendido entre 1994 e 1997. Surtos de TBMR adquirida em ambiente hospitalar constituíram séria ameaça à saúde pública, no início da década de 1990, nos Estados Unidos, com altos índices de letalidade em doentes com AIDS.

Medidas rigorosas de controle e fortalecimento da infra-estrutura e das providências adotadas no âmbito da atenção primária à saúde, incluindo terapia diretamente observada (DOT), conseguiram conter a disseminação da tuberculose e reduzir em 44% o número de casos de TBMR em algumas cidades norte-americanas. TBMR primária está ocorrendo principalmente em locais fechados que atendem doentes com AIDS.
A ocorrência de Mycobacterium tuberculosis multirresistente ocorre com predominância em doentes que não aderem ao tratamento contra a tuberculose, dependendo o declínio das taxas de TBMR da alocação de recursos para a montagem de serviços públicos com infra-estrutura adequada, que garanta aos doentes a conclusão do tratamento.

Em doentes com AIDS e TBMR a terapia antituberculosa efetuada com dois ou mais medicamentos eficazes aumenta a sobrevida média de dois para 14 meses. A maioria das mortes observadas em doentes com TBMR submetidos a tratamento antituberculoso eficaz é resultante de complicações da AIDS e não da tuberculose.

Nos casos em que se suspeita fortemente de TBMR, tratamento empírico contra a tuberculose deve ser instituído, respeitando-se as recomendações locais. Em geral, envolvem 5 ou 6 medicamentos, devendo o tratamento ser prolongado, mantido durante pelo menos 18 meses.

Em usuários de drogas injetáveis por via intravenosa, alcoólatras e indigentes é maior a prevalência de TBMR. Suspeita prioritária da presença de TBMR deve ser feita na vigência de surtos de tuberculose observados em doentes com AIDS, em hospitais, casas de apoio e presídios.

Doentes com AIDS que apresentam infecção por Mycobacterium tuberculosis recente ou remota estão expostos a risco mais elevado de desenvolver tuberculose. Como decorrência desse fato, não deve ser subestimada a importância da instituição da quimioprofilaxia ou da terapia preventiva.

A recomendação do Ministério da Saúde é indicar quimioprofilaxia para:

  1. Pessoas assintomáticas infectadas pelo HIV, com radiografia de tórax normal, reatoras ao PPD (nódulo com diâmetro maior que 5 mm).
  2. Pessoas assintomáticas infectadas pelo HIV, com radiografia de tórax normal, que mantiveram contatos intradomiciliares ou institucionais com caso de tuberculose pulmonar bacilífera (nessa eventualidade, não é necessária a realização do teste intradérmico com PPD).
  3. Pessoas assintomáticas infectadas pelo HIV, com radiografia de tórax normal e não reatoras ao PPD, com registro documental prévio de terem sido reatoras e não terem sido submetidas na ocasião a quimioprofilaxia ou tratamento contra a tuberculose.
  4. Pessoas assintomáticas infectadas pelo HIV, com radiografia de tórax evidenciando a presença de cicatriz de tuberculose, sem tratamento prévio, independente do resultado do teste intradérmico com PPD.

A quimioprofilaxia deve ser realizada com a administração de isoniazida, na dose de 5 a 10mg/kg/dia (dose máxima de 300mg/dia), durante 6 meses. Esse esquema foi capaz de reduzir em 70% o risco de tuberculose em doentes com AIDS reatores ao PPD.

A rifampicina e a pirazinamida, administradas 2 vezes por semana, durante 2 meses, e a isoniazida, administrada 2 vezes por semana, durante 6 meses, foram igualmente eficazes.

Dados preliminares sugerem que a eficácia da rifampicina e da pirazinamida. administradas diariamente durante 2 meses, é semelhante à da isoniazida, administrada isoladamente durante 12 meses, em doentes com AIDS reagentes ao PPD. Em caso de exposição a enfermos com TBMR, a quimioprofilaxia deve ser individualizada e incluir pelo menos dois medicamentos antituberculosos reconhecidamente eficazes. Nos países em que o bacilo de Calmette-Guérin (BCG) foi empregado na infância como vacina contra a tuberculose foi baixo o risco de reativação de infecção latente em infectados pelo HIV. No entanto, a aplicação anterior de BCG parece não conferir proteção adequada contra a tuberculose em pessoas que subseqüentemente desenvolvem AIDS. Além disso, foram relatados casos de indivíduos com AIDS que evoluíram para óbito por infecção disseminada causada pelo BCG, após vacinação realizada de forma inadvertida. Portanto, o uso de BCG é contra-indicado a pessoas infectadas pelo vírus da AIDS, exceto crianças HIV-positivas assintomáticas vivendo em áreas em que é elevado o risco de contrair tuberculose.

A prevenção da disseminação de Mycobacterium tubérculos: a partir de doentes com AIDS depende fundamentalmente da realização de diagnóstico precoce e de instituição rápida do tratamento, de DOT e de ajuste do esquema terapêutico de acordo com o resultado do teste de sensibilidade. A investigação dos comunicantes também é fundamental. Em hospitais com elevada prevalência de tuberculose e AIDS, medidas específicas devem ser implementadas:

  1. Notificação de casos.
  2. Medidas de isolamento.
  3. Uso de equipamentos de proteção individual (máscara N95)
  4. Educação dos profissionais.

Deve-se dar ênfase às medidas destinadas à realização de diagnóstico rápido. Esses doentes serão mantidos internados em hospital durante período mínimo, isto é, durante apenas o tempo suficiente para que as intercorrências que justificaram a internação tenham sido resolvidas. Alcançar o controle da tuberculose em populações com alta prevalência de infecção pelo HIV requer mais que a implementação em larga escala da estratégia do tratamento antituberculoso com DOT.

E urgente a implementação de uma estratégia de atuação mais ampla, combinando a intensificação na busca ativa e o tratamento de novos casos de tuberculose, associados com a adoção de medidas preventivas da infecção pelo HIV. a identificação de tuberculose latente em pessoas com AIDS e a subseqüente instituição de quimioprofilaxia. É necessar e urgente esforço global nessa área, para que essa meta seja alcançada.

PNEUMOCISTOSE

Pneumonia causada por Pneumocystis carinii {Pneumocystis jirovecii) é uma grave infecção oportunista que acomete freqüentemente doentes com AIDS, sendo ainda uma das principais causas de óbito dos enfermos com essa retrovirose.

No início da década de 1980, com o advento da epidemia de AIDS, cerca 60-80% dos doentes desenvolviam pneumonia por Pneumocystis carinii, dos quais 20 a 30% evoluíam para óbito a primeiro episódio de pneumocistose.

As recaídas ocorriam 20-70% dos casos, quando não utilizada a quimioprofilaxia, alcançando 60%, nesses doentes, as taxas de letalidade. Com a disponibilidade da terapia anti-retroviral de alta potência (HAART). na década de 1990, a prevalência dessa infecção oportunista sofreu drástica redução, assim como diminuiu dramaticamente o número de óbitos a ela associados.

Não são conhecidos reservatórios animais de Pneumocystis. A maioria das pessoas é infectada por esse fungo nos primeiros 4 anos de vida, conforme indicam as pesquisas de arrecorpos séricos específicos contra esse patógeno.

Admite-se que possa ocorrer transmissão inter-humana por intermédio de secreções respiratórias. No entanto, a pneumonia com Pneumocystis carinii parece resultar de reativação de infecção interna endógena), em presença de acentuado déficit imunológico. Na maioria dos doentes com AIDS e pneumocistose o número de LT-CD4+ no sangue é inferior a 200/mm3.

A experiência adquirida nos primeiros 5 anos de amplo uso de HAART evidenciou a possibilidade de suspensão da profilaxia primaria e secundária de infecções oportunistas, após reconstituição imunológica, inclusive da pneumocistose. Para a pneumonia por Pneumocystis carinii já está definido que, nos pacientes cujo número de LT-CD4+ no sangue se torna superior a 200/mm3 e assim se mantenha durante período igual ou superior a 3 meses, podem ser suspensas, com segurança,a quimioprofilaxia primária e a quimioprofilaxia secundária, tomando-se o cuidado de reiniciá-la se o número de LT-CD4+ dar a tornar-se inferior a 200/mm3.

HISTOPLASMOSE

Histoplasma capsulatum é o fungo mais comumente relacionado a infecção pulmonar em doentes com AIDS cujo número de LT-CD4+ no sangue é inferior a 200/mm3 (sobretudo quando menor que 100/mm3). Ainda persiste a dúvida se a infecção, nos indivíduos infectados pelo HIV, é adquirida, depois ae instalado o déficit imunológico, por intermédio da inalação de esporos do fungo (comumente encontrado em fezes de passaros, galinheiros e cavernas), ou se é resultante da reativação de infecção latente.

Em doentes com AIDS, a histoplasmose apresenta-se como doença disseminada em 95% dos casos. O comprometimento pulmonar, isoladamente, é mais raro, mas os sintomas respiratórios em doença disseminada está presente em 50% dos enfermos.

O isolamento do fungo é possível em cultura de sangue, medula óssea ou do creme leucocitário de sangue periférico, com sensibilidade em torno de 50%. É de aproximadamente 40% a sensibilidade da pesquisa direta de Histoplasma capsulatum em esfregaço do creme leucocitário de sangue periférico.

A broncoscopia, nos pacientes com acometimento pulmonar, possibilita a identificação do fungo em cerca de 90% dos casos, por intermédio de pesquisa direta ou cultura das amostras de secreção colhidas, ou por meio de exame histopatológico de fragmentos de pulmão obtidos por biópsia.

A pesquisa de antígenos polissacarídicos de Histoplasma capsulatum na urina e no sangue tem sensibilidade de 90 e 85%, respectivamente.

Não existem estudos bem elaborados que demonstrem a possibilidade da suspensão da quimioprofilaxia secundária da histoplasmose após a resconstituição imune obtida com MART.

Alguns especialistas recomendam a interrupção da quimioprofilaxia secundária quando o número de LT-CD4+ no sangue tornar-se superior a 150/mm3, com o uso durante mais de 1 ano de itraconazol e com presença de quantidade menor que 4U/mL de antígenos séricos e urinários do fungo.
A suspensão da quimioprofilaxia primária da histoplasmose deve ser muito bem ponderada, sobretudo nas áreas endêmicas e em situações especiais de maior risco ocupacional (trabalho com solo), sobretudo em áreas hiperendêmicas (mais de 10 casos/ 100 pacientes/ano), preferindo-se, nessas circunstâncias, manter o uso de itraconazol, na dose de 100 a 200mg/dia, por via oral.
Não foram realizados estudos conclusivos que tenham demonstrado a possibilidade da suspensão da profilaxia secundária na histoplasmose, após a resconstituição imune com a terapia específica da AIDS (MART). Alguns autores recomendam sua interrupção quando:

  1. o número de LT-CD4+ se torna superior a 150/mm3,
  2. o uso de itraconazol tenha ultrapassado 1 ano
  3. a concentração dos antígenos séricos e urinários de Histoplasma capsulatum seja inferior a 4U/mL.


MICOBACTERIOSES

As micobacterioses não tuberculosas - principalmente a causada pelo complexo MAC - podem ocorrer em doentes com AIDS, acometendo caracteristicamente aqueles com imunodepressão acentuada (número de LT-CD4+ no sangue inferior a 50/mm3). Com o emprego dos esquemas terapêuticos da AIDS com anti-retrovirais potentes (HAART), a incidência das micobacterioses não tuberculosas também diminuiu sensivelmente, inclusive no Brasil.

Diversas síndromes podem ocorrer durante a infecção disseminada por MAC; nos quadros sistêmicos costumam ocorrer:

        1. febre,
        2. diarréia,
        3. perda de peso,
        4. dor abdominal,
        5. hepatosplenomegalia
        6. icterícia

Além do comprometimento do fígado, evidenciado pelo aumento da concentração sérica das aminotransferases e da fosfatase alcalina, pode haver envolvimento pulmonar.

A forma de pseudotumor apendicular foi relatada em poucos casos, inclusive no Brasil.

A hemocultura tem sensibilidade de 90 a 95%; no entanto, além de exigir meios de cultura especiais e recursos de automação, exige de 7 a 14 dias para se evidenciar o crescimento, quando ocorre.

Além da hemocultura, a outra forma de realizar-se o diagnóstico de micobacteriose não tuberculosa é a cultura e o exame histopatológico de fragmentos de órgãos ou tecidos (notadamente medula óssea, fígado e linfonodos) obtidos por biópsia. A tomografia computadorizada do abdome geralmente evidencia a presença de linfonodos hipertrofiados.
Outras micobactérias, encontradas com menor freqüência, associam-se a doenças sistêmicas:

  1. Mycobacterium chelonae: infecções de pele, partes moles, ossos e articulações.
  2. Mycobacterium fortuitum: infecção disseminada e infecções de pele, partes moles, ossos e do sistema nervoso central.
  3. Mycobacterium genovese: as mesmas infecções causadas por Mycobacterium avium.
  4. Mycobacterium gordonae: infecções cutâneas (a maior parte dos isolados é contaminante, não responsável por doença).
  5. Mycobacterium haemophilum: infecção cutânea e infecção disseminada.
  6. Mycobacterium kansasii: infecção respiratória e síndrome de reconstituição imune (com linfadenomegalia cervical e mediastinal, osteomielite e artrite).
  7. Mycobacterium malmoense: infecção pulmonar com cavitações e infecção do sistema nervoso central.
  8. Mycobacterium scrofulaceum: adenite cervical.

O tratamento de escolha para as infecções causadas por MAC é constituído pela associação, por via oral, de claritromicina ou azitromicina (na dose para adultos de 1 g/dia e 500mg/dia, respectivamente) com etambutol (15 a 25mg/kg/dia). Nos casos mais graves, em adultos, recomenda-se adicionar ao esquema a rifabutina (300mg/dia, por via oral) ou a ciprofloxacina (500 ou 750mg, de 12 em 12h) ou a levofloxacina (dose única diária de 500 ou 750mg) ou amicacina (10 a 15mg/kg/dia, por via intramuscular).

O uso de clofazimina e de doses de claritromicina superiores a 1 g/dia justificam-se apenas nos casos muito graves.

A melhora costuma ocorrer depois de duas a quatro semanas de tratamento, o qual deve ser mantido durante um ano. Após esse período, caso tenha havido reconstituição imunológica (número de LT-CD4 + no sangue superior a 100/mm3, mantido durante 3 meses ou mais) e o paciente não apresente sinais e sintomas de micobacteriose, o tratamento de manutenção pode ser suspenso; do contrário, deve ser mantido indefinidamente. Em estudo de 48 doentes submetidos a tratamento antimicrobiano por pelo menos 1 ano e MART durante pelo menos 16 semanas, nos quais foi suspensa a profilaxia secundária, em apenas um deles se instalou osteomielite por MAC; a média do acompanhamento clínico de 77 semanas e os autores concluíram ser segura a suspensão da quimioprofilaxia nas condições citadas, alertando para a maior possibilidade de recidiva nos casos com osteomielite.

CITOMEGALOVIROSE

O citomegalovírus pode causar pneumonia. No entanto, seu papel na etiologia de infecções pulmonares oportunistas em doentes com AIDS ainda é pouco conhecido e controverso. Esse vírus pode associar-se a Pneumocystis carinii como causador de pneumonia, admitindo-se que, nessa eventualidade, contribui para o aumento das taxas de morbidade e letalidade.

Recomenda-se, porém, a utilização de critérios rigorosos para o diagnóstico de pneumonia por citomegalovírus, exigindo-se a presença de alterações histopatológicas (biópsia pulmonar) compatíveis.

CRIPTOCOCCOSE

O comprometimento pulmonar (parenquimatoso ou pleural) por Cryptococcus neoformans ocorre não somente como parte da doença disseminada, mas também em número pequeno de pacientes sob a forma de envolvimento orgânico aparentemente isolado. Febre, tosse, dispnéia e dor pleurítica são achados comuns; a produção de escarro é escassa ou nula. Alguns doentes não apresentam nenhuma manifestação clínica de comprometimento pulmonar.

As alterações da radiografia de tórax diferem acentuadamente das encontradas habitualmente em hospedeiros imunocompetentes, sendo constituídas por infiltrado intersticial; infiltados localizados, consolidação lobar, cavitação pulmonar, nódulos miliares ou linfadenomegalia intratorácica. O encontro de derrame pleural é relativamente comum, acompanhando a doença parenquimatosa. Também pode instalar-se a síndrome da angústia respiratória do adulto causada por pneumonia intersticial, como parte da doença disseminada acompanhada de presença de Cryptococcus neoformans no sangue.

No entanto, esse fungo constitui agente raro de pneumonia intersticial difusa em doentes com AIDS.

ASPERGILOSE

A aspergilose é raramente diagnosticada em doentes com AIDS. Há, no entanto, descrições de casos geralmente associadas com neutropenia acentuada, uso prolongado de corticosteróídes, alcoolismo crônico, emprego de antimicrobianos de amplo espectro ou doença hematológica maligna concomitante.

A manifestação clínica de doença respiratória ocorre quase sempre como parte de doença disseminada que acomete seios da face, sistem nervoso central e pele. O padrão usual da radiografia de torax é o de pneumonia cavitária ou de infiltrado difuso. Na tomografia computadorizada de crânio, quando há comprometimento associado do sistema nervoso central, a presença do sinal do haló é altamente sugestivo do diagnóstico, com prognóstico sombrio.

Atualmente, o medicamento de escolha para o tratamento da aspergilose é o voriconazol, administrado por via oral em dose de 6mg/kg, de 12 em 12h, nas duas primeiras tomadas, seguidas por 4mg/kg, de 12 em 12h, durante a primeira semana, para então ser mantido na dose de 200 mg, de 12 em 12 h. A anfotericina B convencional ou lipossomal, o itraconazole. a caspofungina são medicamentos alternativos. A resposta terapêutica (que não costuma ocorrer em mais de 50% dos casos) tende a ser pior quando houver comprometimento associado do sistema nervoso central, que se apresenta sob a forma de sinais focais ou com diminuição do nível de consciência.

Outros patógenos podem secundariamente acometer os pulmões, já tendo sido descrito comprometimento pulmonar por Toxoplasma gondii, Cryptosporidium sp. e Strongyloides stercoralis. As complicações neoplásicas que envolvem o pulmão em doentes com AIDS serão apresentadas adiante, em item especial.

DOENÇAS OPORTUNISTAS DIGESTIVAS

Sintomas gastrointestinais estão entre as queixas mais comuns de doentes com AIDS, ocorrendo praticamente em todos eles em algum momento durante a evolução da moléstia.

Com muita freqüência, as afecções oportunistas que acometem o trato digestivo constituem o evento inicial que induz ao diagnóstico de infecção pelo HIV. O grau de imunodeficiência e o potencial de exposição a determinados patógenos são as principais fatores determinantes da ocorrência, do tipo de quadro clínico e do prognóstico das enfermidades gastrointest: que se instalam nesses pacientes. A alteração gastrointestinal que primeiro aparece costuma ser a diarréia, muitas vezes crônica e associada com perda de peso e desnutrição; odinofagia, disfagia. dor abdominal e/ou distúrbios anorretais.
Nos casos de AIDS com alterações gastrointestinais devem ser levadas em consideração, no raciocínio diagnóstico, diversos tipos de infecções, neoplasias e condições não específicas. Os avanços recentes da terapia anti-retroviral e o uso rotineiro da profilaxia com medicamentos específicos provocaram significativas mudanças na incidência, no quadro clínico, e na morbimortalidade das moléstias oportunistas com envolvimento gastrointestinal nos doentes com AIDS, se bem que ainda continuam a merecer atenção especial.

MANIFESTAÇÕES CLINICAS DIGESTIVAS EM GERAL

Alguns aspectos gerais devem ser considerados na avaliação dos sintomas gastrointestinais em doentes com AIDS.

Assinale-se que sinais e sintomas isolados raramente sugerem diagnóstico específico. Determinadas possibilidades devem ser consideradas com base no grau de imunodeficiência. Nos doentes com estágio avançado da infecção, com número de LT-CD4+ no sangue menor que 200/mm3, as manifestações gastrointestinais fazem parte, habitualmente, do quadro de infecções sistêmicas, na maior parte dos casos causadas por citomegalovírus ou MAC.

Como regra geral, a investigação deve-se iniciar com os exames clássicos, recorrendo-se depois, se necessário, a procedimentos invasivos, de acordo com a gravidade e o tempo de instalação do sintoma (agudo ou crônico). Além disso, infecções mistas (por patógenos de várias espécies) são comuns, embora seja freqüente o insucesso na identificação do agente ou dos agentes específicos das manifestações gastrointestinais, mesmo após extensa e apropriada investigação. É importante assinalar que a recorrência de infecções oportunistas do aparelho digestivo são usuais nos doentes com AIDS, havendo necessidade freqüente de manter profilaxia antimicrobiana depois da cura aparente.

A seqüência dos exames a serem realizados na investigação desses enfermos é difícil de ser estabelecida. Aspectos tais como desconforto, agressividade e custo dos procedimentos diagnósticos devem ser considerados, tendo em conta o tipo de queixa apresentada e sua intensidade, assim como a probabilidade de o procedimento vir a identificar uma condição cujo tratamento seja viável.

Diarréia

É a manifestação gastrointestinal mais freqüente nas infecções intestinais oportunistas em doentes com AIDS, ocorrendo em 50 a 90% dos casos, sendo responsável, muitas vezes, por alta morbidade.

As alterações no sistema imune da mucosa de enfermos com AIDS predispõem a infecções intestinais mais pavês por patógenos comuns (Salmonella sp., Shigella sp., Campylobacter sp. etc.) ou a infecções por patógenos que usualmente causam infecção autolimitada em hospedeiros imunocompetentes, como é o caso de Cryptosporidium sp.
A despeito do amplo espectro de etiologias possíveis que podem causar diarréia em doentes com AIDS, o diagnóstico diferencial pode ser estabelecido com base no tipo de apresentação clínica e, principalmente, no grau da imunodeficiência. História clínica minuciosa deve ser colhida, com a finalidade de estabelecer se os sintomas são resultantes de moléstia localizada ou sistêmica, e de identificar o segmento do tubo digestivo acometido predominantemente. Por exemplo, sintomas e sinais tais como cólicas, náuseas e ruídos hidroaéreos aumentados sugerem envolvimento gástrico e/ou do intestino delgado, fato comum nas infecções por Cryptosporidium sp.. Isospora belli e Giardia lamblia. Diarréia aquosa volumosa, associada com desidratação, distúrbios hidroeletrolíticos e perda de peso são alterações freqüentente observadas na criptosporidiose.

Hematoquezia sugere colite, mais comumente associada com infecções por citomegalovírus, Shigella sp., e Campylobacter sp.

Tenesmo geralmente ocorre como resultado de colite bacteriana e proctite.

Diarréia crônica associada com perda de peso sugere infecção oportunista como doença de base.

Tenesmo, disquezia (dificuldade na defecação) e urgência fecal após prática sexual com intercurso anal receptivo e desprotegido sugerem infecção por herpes simples, Neisseria gonorrhoea ou Chlamydia trachomatis. Na AIDS, cor e odor das fezes são características sem significado para o diagnóstico do tipo de infecção oportunista presente. História de promiscuidade sexual entre homossexuais do sexo masculino pode ter significado relevante, já que a ocorrência de diarréia é mais comum nesses doentes, sem que necessariamente haja algum patógeno oportunista envolvido.

O exame físico, em geral, não fornece muitas pistas diagnosticas na avaliação de diarréia em doentes com AIDS. Linfadenopatia periférica, hepatomegalia, esplenomegalia, dor à palpação abdominal e febre são comumente detectadas, mas sem importância significativa para o diagnóstico etiológico.
O principal objetivo a ser alcançado nos doentes com AIDS que estão apresentando diarréia é identificar uma causa tratável sem a necessidade, se possível, da realização de exames invasivos.

A conduta, no entanto, deve ser individualizada, dependendo da gravidade do caso.

  • Em enfermo com sintomas graves, febre e dor abdominal, deve ser feita investigação rápida e vigorosa, podendo justificar-se a realização precoce de exames invasivos e, eventualmente, a instituição de terapia empírica.
  • Entretanto, em pacientes com sintomas leves, que estão interferindo muito pouco em suas atividades habituais, a investigação pode ser efetuada de forma racional, escalonada, iniciando-se com exames não invasivos, e sendo necessários, só indicando posteriormente a realização de exames invasivos, e evitando-se a instituição precoce de tratamento empírico.

A sensibilidade e a especificidade, assim como a disponibilidade de determinados métodos diagnósticos, constituem aspectos importantes a ser considerados nesse contexto, variando de acordo com a instituição em que o doente está sendo atendido.

Estudos sugerem que para até 50% dos pacientes nos quais nenhum diagnóstico pode ser feito com múltiplos exames parasitológicos de fezes, o diagnóstico pode ser estabelecido por intermédio de sigmoidoscopia e/ou endoscopia alta, com a realização de biópsia.

A avaliação inicial nos doentes com AIDS e diarréia deve incluir pelo menos três exames parasitológicos de fezes para pesquisa de ovos e parasitas, três pesquisas diretas de bacilos álcool-ácido-resistentes em amostras diferentes de fezes e três coproculturas para bactérias Gram-negativas enteropatogênicas.

Retossigmoidoscopia com biópsia deve ser indicada quando os resultados dos exames não invasivos forem negativos. Biópsias devem ser realizadas durante a retossigmoidoscopia em qualquer parte do intestino em que a mucosa apresenta aspecto anormal, ou aleatoriamente, na mucosa retal, se nenhuma anormalidade aparente for detectada.

Colonoscopia, em vez de retossigmoidoscopia, tem sido preconizada com o objetivo de diagnosticar comprometimento do cólon direito por citomegalovírus ou Campylobacter sp. No entanto, ainda não há estudos de custo-efetividade que validem essa conduta. Se a investigação do trato gastrointestinal baixo for negativa, a endoscopia digestiva alta com biópsia de mucosa pode ocasionalmente evidenciar a presença de infecção do intestino delgado proximal por Cryptosporidium parvum, Isospora belli, microsporídios ou MAC. A biópsia da mucosa do intestino delgado proximal deve ser realizada em todo doente com AIDS submetido a endoscopia alta para investigação de diarréia, com a finalidade de investigar a presença de infecção por protozoários, principalmente microsporídios, e por Strongyloides stercoralis.

O valor diagnóstico de exames radiológicos contrastados é muito limitado, já que para o diagnóstico da maioria das doenças há necessidade de biópsia. Ainda assim, se indicados, esses exames devem ser realizados somente depois da coleta de amostras de fezes para a pesquisa de protozooses e helmintíases, pois o bário dificulta a identificação de ovos e parasitas nas fezes.

Depois da realização de múltiplos exames parasitológicos de fezes, com resultado negativo, e de retossigmoidoscopia, sem evidenciar anormalidades, pode-se indicar tratamento empírico, antes de serem propostos outros exames invasivos, embora em alguns estudos se tenha observado resolução espontânea do quadro ou melhora da diarréia crônica em até 38% dos pacientes.

No tratamento empírico, a decisão de qual terapia empregar e qual espectro de patógenos cobrir é controversa e depende da prevalência de determinadas parasitoses na população, assim como do grau de imunodeficiência e da gravidade da doença. Além disso, com o advento da moderna terapia contra a AIDS (HAART), tem-se verificado que muitas doenças diarréicas tendem a regredir como conseqüência da reconstituição imunológica. Eritromicina ou ciprofloxacina, para Campylobacter sp., cotrimoxazol (sulfametoxazol-trimetoprim) para Isospora belli, metronidazol para microsporídios, albendazol para Strongyloides stercoralis e outros parasitas intestinais constituem boas alternativas para o tratamento empírico, empregados isoladamente ou em associações.

Odinofagia e Disfagia

Doença esofágica ocorre em cerca de 30% dos doentes com AIDS. Odinofagia e disfagia são os sintomas mais comuns, resultantes do comprometimento esofágico, havendo aumento de sua incidência com a progressão da doença.

Inflamação ou ulceração do esôfago são as alterações mais freqüentemente encontradas e decorrem principalmente da ação de patógenos oportunistas.

Outros processos não infecciosos, tais como neoplasias, ação direta de fármacos, doença do refluxo gas-troesofágico ou dismotilidade induzida por medicamentos também podem ser causa de disfagia e odinofagia em doentes com AIDS. A realização dos exames complementares e o início do tratamento, nesses enfermos, deve ser rápida e apropriada, já que a incapacidade em deglutir alimentos e remédios, com conseqüente perda de peso e interrupção do tratamento, pode aumentar significativamente a morbidade e a mortalidade.

Outros sintomas presentes ocasionalmente, indicativos de acometimento esofagiano, são constituídos por vômitos, dor epigástrica, tosse durante as refeições (sugerindo a presença de fístulas esofagobrônquicas), dor torácica retroesternal e hematêmese.

A candidíase esofágica é, de longe, a infecção oportunista mais freqüente no esôfago, encontrada em 42 a 79% dos doentes com AIDS submetidos a endoscopia digestiva alta por odinofagia/ disfagia, sendo também achado comum em pacientes assintomáticos. Não raro é o primeiro sintoma ou sinal da presença de AIDS. Outras infecções fúngicas, principalmente por Histoplasma capsulatum e Cândida albicans, raramente ocasionam aparecimento de úlceras esofágicas ou esofagite com características inespecíficas ou com aspecto granulomatoso.

Entre as etiologias virais, o citomegalovírus é o principal agente causador de esofagite em doentes com AIDS, geralmente os acometendo quando o número de LT-CD4+ no sangue é inferior a 100/mm3. É a causa de até 45% das úlceras esofágicas na AIDS.

Habitualmente, apresenta-se sob a forma de infecção sistêmica que acomete mais de um segmento do trato gastrointestinal, podendo provocar o aparecimento de úlceras orais (raramente), úlceras esofágicas, esofagite, gastrite, diarréia, hepatite e colite. O acometimento esofágico da citomegalovirose manifesta-se clinicamente por meio de disfagia, odinofagia e, raramente, hematêmese.

As úlceras esofágicas são quase sempre múltiplas, profundas, apresentando em sua base aspecto de vasculite em chama-de-vela e localizando-se principalmente no esôfago médio (57%) e no distal (32%).

Podem ser gigantes (28% têm diâmetro superior a 2cm) e, às vezes, sofrer estenose e perfuração. Raramente pode apresentar-se como esofagite erosiva difusa ou com vegetações.

No estômago assume características inespecíficas, com o aparecimento de gastrite (enantemática, erosiva ou hemorrágica), hipertrofia de pregas ou ulcerações, que se manifestam clinicamente por intermédio de dispepsia e vômitos incoercíveis.

Muitas vezes os enfermos com acometimento do trato digestivo alto apresentam dor abdominal e diarréia crônica secundárias ao comprometimento do intestino delgado e do intestino grosso.

Nesses segmentos do tubo digestivo a infecção por citomegalovírus pode causar enterite e/ou colite erosiva ou hemorrágica e úlceras profundas que raramente sofrem perfuração.

Outros herpesvírus (tais como os vírus do herpes simples dos tipos 1 e 2 e o vírus do varicela zóster) também podem ser responsáveis por esofagite e ulcerações em doentes com AIDS.

O papilomavírus humano (HPV, human papillomavirus) é agente de infecção relativamente rara nessa região anatômica, mas deve ser incluído no diagnóstico diferencial de toda lesão vegetante do trato gastrointestinal, notadamente em condilomas orais, esofágicos e perianais.

Outros agentes menos comuns de esofagite são representados por Mycobacterium tuberculosis, Mycobacterium avium, Pneumocystis carinii e pelo próprio HIV.

O aspecto endoscópico das lesões esofágicas em doentes com AIDS pode sugerir o tipo de agente etiológico envolvido:

  1. A candidíase esofagiana apresenta-se à endoscopia, quase sempre, com o aspecto de placas esbranquiçadas friáveis, que podem comprometer toda a mucosa do esôfago.
  2. Já a esofagite viral está geralmente associada com a presença de ulcerações na mucosa.
      • Na esofagite por citomegalovírus costuma ocorrer a presença de ulcerações múltiplas (58%), grandes (com mais de  1 cm de diâmetro) e rasas
      • a esofagite por herpes simples geralmente se manifesta por intermédio de ulcerações pequenas (com menos de 1 cm de diâmetro), confluentes, com bordas serpiginosas, acometendo com predomínio o terço distal do esôfago.
  3. As úlceras idiopáticas apresentam-se à endoscopia com aspecto semelhante aos das úlceras causadas por citomegalovírus, sendo diagnóstico de exclusão

 

Não raro, mais de um agente ou processo patológico pode estar envolvido na etiologia de lesões esofágicas, razão pela qual pode ser indicada a realização de múltiplas biópsias, submetendo-se os fragmentos a minuciosos estudos microbiológicos e histopatológicos.

O advento da moderna terapia anti-retroviral (HAART) tem mudado o espectro das doenças esofágicas associadas com a AIDS: a freqüência do comprometimento esofagiano por citomegalovírus tem sofrido diminuição significativa, embora a taxa de candidíase esofágica se tenha mantido estável. Por outro lado, alterações esofagianas de natureza não infecciosa, tais como a doença do refluxo gastroesofágico e a esofagite por ação direta de fármacos, tendem a contribuir para manter elevada a proporção de pacientes com sintomas esofágicos.

Ulceras gástricas e duodenais podem ser encontradas em doentes com AIDS que apresentam sintomas gástricos. Em doentes com AIDS, a relação entre presença de úlcera péptica e infecção por Helicobacter pylori parece ser diferente, em alguns aspectos, da que se verifica na população geral. Vários estudos evidenciaram que, comparativamente, é mais baixa a prevalência de infecção por Helicobacter pylori, assim como a de úlceras pépticas gástricas e duodenais, sobretudo em doentes com número muito diminuído de LT-CD4+ no sangue. Esse achado associou-se com o uso freqüente de antimicrobianos por esses pacientes

Doentes com AIDS também possuem diminuição da secreção ácida, determinando hipocloridria, o que pode interferir na absorção de alguns fármacos.

Dispepsia e Outros Sintomas Gástricos

Afecções gástricas em enfermos com AIDS podem ser causadas por doenças oportunistas, embora, não raro, sejam devidas a outras condições não relacionadas com a infecção pelo HIV.

Intolerância medicamentosa a anti-retrovirais e a outros fármacos de uso freqüente (antifúngicos, sulfamídicos, medicamentos contra tuberculose etc.) também podem induzir o aparecimento de sintomas gástricos em doentes com AIDS, sendo as principais manifestações constituídas por dispepsia, náuseas, vômitos, empachamento, dor epigástrica e hematêmese.

Outras infecções gástricas têm sido relatadas em doentes com AIDS, incluindo citomegalovirose, criptosporidíase, infecção por MAC, histoplasmose, criptococose, leishmaniose e sífilis.

Lesões neoplásicas envolvendo o estômago podem também provocar sintomas gastrointestinais altos.

  1. Sarcoma de Kaposi gastrointestinal, relacionado com infecção pelo vírus do herpes simples do tipo 8, pode estar presente em até 50% dos enfermos com doença cutânea, comprometendo mais comumente o estômago. As lesões localizam-se na submucosa e, em geral, são assintomáticas, mas podem causar náuseas, dor abdominal e, raramente, hemorragia grave.
  2. Linfomas também podem acometer o trato gastrointestinal de doentes com AIDS, tendendo a ser multifocais; raramente pode ser encontrado o linfoma gástrico do tipo MALT (mucosa-associated lymphoid tissue ou tecido linfóide associado à mucosa) associado com infecção por Helicobacter pylori.

Com base nesse amplo espectro de possibilidades diagnosticas, todos os doentes com AIDS que apresentam sintomas gastrointestinais altos persistentes, sobretudo aqueles com número de LT-CD4+ no sangue inferior a 200/mm3, devem ser submetidos a investigação para o diagnóstico de doenças oportunistas, infecciosas ou neoplásicas.

O diagnóstico definitivo dessas moléstias requer com freqüência estudo endoscópico, acompanhado de biópsias e culturas.

Dor Abdominal

Vários estudos em que foi feita avaliação específica da dor abdominal em doentes com AIDS revelaram o amplo espectro de causas potenciais. Na maioria deles, a dor abdominal está diretamente relacionada com a AIDS e suas afecções oportunistas. No entanto, causas comuns de dor abdominal na população geral também devem ser incluídas na lista de possibilidades.

O raciocínio clínico relativo aos sinais e sintomas que fazem parte do quadro de dor abdominal em doentes com AIDS não deve ser diferente do adotado na investigação dos pacientes soronegativos. Os objetivos visados devem ser a identificação do provável órgão envolvido e a definição etiológica.

Exame ultra-sonográfico e tomografia axial computadorizada do abdome podem ser úteis em momento mais precoce, na investigação da causa de dor abdominal, e podem evidenciar a presença de regiões ou órgãos acometidos, sem que a suspeita tivesse sido suscitada pela avaliação clínica.

Esses achados incluem:

  1. espessamento de parede de vesícula biliar ou de parede do cólon
  2. lesões hepáticas focais
  3. dilatação de vias biliares
  4. infiltração pancreática
  5. linfadenopatia
  6. detecção de líquido peritoneal

As características da dor abdominal podem sugerir algumas moléstias específicas.

Em geral, as perfurações resultam mais freqüentemente de infecção por citomegalovírus, sobretudo quando localizadas no intestino delgado distal e no cólon, sendo a causa mais comum de abdome agudo em doentes com AIDS em estágio clínico avançado (número de LT-CD4+ no sangue inferior a 100/mm3).

Raramente, as lesões de linfoma ou de sarcoma de Kaposi podem sofrer perfuração, seja pelo crescimento tumoral, seja devido à lise tumoral provocada por quimioterapia ou radioterapia. E mais provável o desenvolvimento de obstrução em presença de neoplasia intestinal. Intussuscepção pode constituir forma incomum de apresentação incomum de obstrução causada por linfoma intestinal, ou pode ser conseqüente a infecção.

Enterite infecciosa pode causar dor abdominal intermitente ou aguda na ausência de obstrução ou perfuração; em geral, diarréia está presente e os sintomas e sinais que ocorrem se relacionam com o segmento envolvido (intestino delgado ou grosso). Foi relatada a ocorrência de peritonite infecciosa ou não específica na ausência de perfuração intestinal.

Os agentes infecciosos envolvidos incluem Histoplasma capsulatum, Mycobacterium tuberculosis, MAC, Vibrio vulnificus, Toxoplasma gondii e Cryptococcus neoformans.

A realização de paracentese pode possibilitar a demonstração do agente etiológico em parcela significativa de casos. A laparoscopia mostrou-se procedimento seguro e pode ser necessária sua realização na investigação etiológica de ascite com elevado conteúdo proteico e resultado negativo das culturas de líquido ascítico.

A pancreatite pode causar dor abdominal em doentes com AIDS, podendo ser desencadeada por múltiplas causas, principalmente as infecciosas e as associadas com o emprego de fármacos.

As manifestações clínicas são semelhantes às observadas em pacientes HIV-negativos e o prognóstico correlaciona-se com a pontuação obtida pela APACHE II (Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II). O uso de didanosina ou de pentamidina é a condição que mais comumente se associa com a manifestação de pancreatite em doentes com AIDS. Pancreatite provocada por pentamidina pode surgir depois da administração parenteral ou inalatória desse medicamento; o quadro clínico é típico. A evolução pode assumir gravidade variável, às vezes fatal, sendo freqüentemente acompanhada de desregulação do metabolismo da glicose, com hiper ou hipoglicemia. Incidência de até 10% de pancreatite sintomática foi observada nos estudos iniciais em pacientes tratados com didanosina. Foram também relatados casos esporádicos de pancreatite induzida por cotrimoxazol (trimetoprim-sulfametoxazol).

São múltiplas as causas infecciosas de pancreatite em doentes com AIDS; o estabelecimento de diagnóstico definitivo é difícil, por causa da impossibilidade usual de realizar-se biópsia do pâncreas. Nos casos relatados os agentes etiológicos demonstrados incluem citomegalovírus, micobactérias, Cryptococcus neoformans e vírus do herpes simples do tipo 1 ou 2. A pancreatite infecciosa nem sempre se associa com a presença de manifestações clínicas, devendo ser objeto de suspeita em todo paciente que apresenta hiperamilasemia. Na pancreatite por citomegalovírus, inclusões virais podem ser vistas, ao exame histopatológico, no epitélio ductal ou em células acinares. As alterações observadas na colangiopancreatografia retrógrada endoscópica não são específicas. Infiltração pancreática por linfoma e sarcoma de Kaposi podem ocorrer e manifestar-se com sintomas decorrentes do efeito de massa sobre o duodeno adjacente ou por insuficiência exócrina secundária à obstrução ductal.

Com o advento da epidemia da AIDS, ocorreu aumento significativo do número de espécies de protozoários identificados e da freqüência com que passaram a ser encontrados na prática médica. Protozoários intestinais até então desconhecidos ou de pouca importância passaram a ser isolados comumente em doentes com AIDS. Sabe-se, porém, que um grupo de protozoários oportunistas é dotado de maior relevância, em doentes com AIDS - sendo responsáveis pelo maior número de casos de diarréia -, constituídos por Cryptosporidium parvum, Isospora belli e microsporídios, dotados de características comuns, tais como a formação de esporos e capacidade de causar infecção intracelular em células epiteliais do trato intestinal.

AS PRINCIPAIS INFECÇÕES OPORTUNISTAS DIGESTIVAS EM HIV

CRIPTOSPORIDIASE

Entre as diversas espécies de Cryptosporidium já identificadas, Cryptosporidium parvum é a mais freqüentemente associada com doença em seres humanos. Oocistos desse protozoário são encontrados nas fezes de 3 a 20% de doentes com AIDS e diarréia.

Grupos de risco:

Todas as pessoas podem estar em risco;

Jovens e mulheres grávidas podem ser mais susceptíveis à desidratação;
Imunodeprimidos inserem-se no grupo de pessoas com maior risco, como por exemplo, aqueles com síndrome da imunodeficiência adquirida (VIH/SIDA), pacientes com cancro e transplantados que são tratados com medicamentos imunossupressores, e com outras doenças que afectam o sistema imunológico;
Crianças em período pré-escolar;
Em contrapartida, pessoas com boa imunidade podem apresentar infecções sem sintomas ou com sintomas de duração limitada.

O diagnóstico de criptosporidíase é realizado por meio da detecção de oocistos em fezes coradas pela técnica de Kinyoun (método de Ziehl-Nielsen modificado), ou empregando-se anticorpos monoclonais (por imunofluorescência direta ou ELISA). Como a eliminação dos oocistos nas fezes pode ser intermitente, recomenda-se que duas ou mais amostras de fezes sejam colhidas para serem submetidas a exame.

A presença de Cryptosporidium sp. no tubo digestivo de doentes com AIDS pode associar-se com:

  1. Infecção inaparente (4%).
  2. Diarréia autolimitada (29%).
  3. Diarréia crônica (60%).
  4. Diarréia fulminante (8%)

A diarréia crônica e a diarréia fulminante ocorrem quase que exclusivamente em doentes com AIDS cujo número de LT-CD4+ no sangue é inferior a 100/mm3.

A única medida que possibilita o controle das manifestações clínicas persistentes da criptosporidíase é o tratamento com os modernos anti-retrovirais (HAART), com reconstituição imunológica. Não se demonstrou resultado convincente com nenhuma das dezenas de medicamentos testados, incluindo a paromomicina e a azitromicina, recomendadas por alguns autores.

Deve ser instituído tratamento sintomático, com hidratação oral e administração de medicamentos antidiarréicos. A criptosporidíase em doentes com AIDS que passam a apresentar número de LT-CD4+ maior que 100/mm3 costuma resolver espontaneamente depois de 2 a 8 semanas, tal como se observa em hospedeiros imunocompetentes.

Em doentes com AIDS que apresentam criptosporidíase fulminante ou crônica deve-se realizar terapia sintomática enquanto se espera a reconstituição imunológica promovida pela MART.

ISOSPORIASE

O oocisto constitui a forma infectante da isosporíase, pois é eliminado nas fezes e possibilita a infecção por via fecal-oral. O ciclo assexuado tem início quando o oocisto é formado e eliminado, sendo que após a sua eliminação se dá a esporulação. A esporulação é caracterizada pelo aumento de volume do parasito e pela produção de esporozoítos no seu interior. Após a ingestão, o oocisto esporulado rompe no intestino liberando os esporozoítos que invadem os enterócitos. No fim do crescimento do esporozoíto o núcleo começa a se dividir várias vezes, de forma assexuada, o que resulta em uma forma multinucleada, o esquizonte. Depois da formação do esquizonte, ocorre uma repetição da etapa anterior, processo que passa a se denominar esquizogonia. Sua função é produzir merozoítos, permitindo a invasão de novas células hospedeiras. A partir desses merozoítos pode recomeçar outro ciclo assexuado ou iniciar um processo de reprodução sexuada (esporogonia).

O ciclo sexuado tem início quando os merozoítos se diferenciam em gametócitos no interior do enterócito, sendo que aqueles que se destinam a produzir gametas masculinos são os microgametócitos, e os que se transformarão em gametas femininos são os macrogametócitos. Quando o microgametócito é liberado do enterócito, invade a célula onde está o macrogametócito formando o zigoto, que logo se encista, e por isso passa a se chamar oocisto. O tempo da esporulação depende das condições ambientais do solo onde está o oocisto. A esporulação só estará completa quando cada esporoblasto formar esporozoítas, que é o que caracteriza o oocisto infectante. 

As infecções humanas são geralmente assintomáticas. No entanto, nos demais casos, há febre, diarréia e cólicas abdominais, sendo que quando a isosporíase ocorre em aidéticos essas manifestações tornam-se crônicas.

O diagnóstico laboratorial é feito através da visualização de oocistos (álcool-ácido-resistentes) nas fezes.

A prevenção se faz com adequada higiene pessoal e alimentar, evitando a contaminação do meio ambiente por fezes humanas, fervendo a água e realizando a cocção dos alimentos.

Embora pouco freqüente em enfermos com AIDS e diarréia nos Estados Unidos e na Europa, Isospora belli constitui importante agente de diarréia em países subdesenvolvidos. A pesquisa de oocistos desse protozoário em fezes coradas pelo método de Ziehl-Nielsen modificado é específica e razoavelmente sensível, mas podem ser necessário uso de várias amostras de fezes para a detecção do parasita.

Doentes com AIDS e isosporíase podem apresentar diarréia persistente, às vezes grave, que costuma responder adequadamente ao tratamento por via oral com um comprimido de cotrimoxazol (160mg de trimetoprim/800mg de sulfametoxazol), de 8 em 8h ou de 6 em 6h (dose para adultos), durante 2 a 4 semanas.

Havendo alergia a sulfamídicos, deve-se optar por terapia alternativa com:

  • pirimetamina, por via oral, na dose de 50 ou 75mg/dia, associada com 5 a 10mg/dia de ácido folínico, também por via oral, durante 30 dias;
  • 500mg de ciprofloxacina, de 12 em 12h, por via oral, durante 7 dias (doses para adultos).

PORTADORES: Excreção continuada de oocistos de Isospora belli nas fezes pode ocorrer, mesmo quando há resposta clínica ao tratamento. Deve ser indicada terapia supressiva, por via oral, com 1 comprimido por dia (ou 3 vezes por semana) de cotrimoxazol (100 mg de trimetoprim/800mg de sulfametoxazol), ou com pirimetamina (1 comprimido de 25mg/dia) associada com um comprimido de 5mg/dia de ácido folínico (doses para adultos).

MICROSPORIDIASE

Trata-se de parasitas intracelulares obrigatórios, de que duas espécies têm importância no contexto da AIDS: Enterocyíozoon bieneusi e Encephalitozoon (Septata) intestinalis.

Estudos apontaram esses protozoários como causadores de 10 a 20% dos quadros de diarréia em doentes com AIDS. Dessas espécies, a primeira é responsável por 80 a 90% e a segunda por 10 a 20% dos casos de diarréia por microsporídios nesses enfermos.

A microscopia eletrônica de fragmentos de mucosa intestinal obtidos por biópsia constitui o padrão-ouro para o diagnóstico, mas sua realização na rotina do atendimento médico é inviável. A alternativa é constituída pela coloração tricrômica, que pode ser realizada nas fezes, mas requer profissional treinado para a identificação de microsporídios. Esses parasitas possuem dimensões semelhantes às de muitas bactérias intestinais

Medidas terapêuticas adequadas para os casos de AIDS com diarréia causada por microsporídios.

  • reconstituição imunológica obtida por meio da MART
  • a reidratação oral
  • administração de antidiarréico

Demonstrou-se alguma eficácia na terapia da infecção intestinal por Encephalitozoon (Septata) intestinalis com o uso do albendazol, administrado por via orai na dose de 400mg, de 12 em 12h, durante pelo menos 3 semanas, para adultos272.

AMEBIASE

Na grande maioria (90%) dos indivíduos com a presença de Entamoeba histolytica no intestino a infecção é inaparente.

No contexto da AIDS, além de a doença invasiva por Entamoeba histolytica não ser considerada oportunista, torna-se imperativo excluir outros agentes etiológicos de diarréia, considerando-se o grande número portadores assintomáticos desse protozoário. Nas formas invasivas da amebíase intestinal costumar ocorrer disenteria, não se encontrando, em geral, leucócitos fecais.

Na disenteria amebiana aguda, cistos ou trofozoítos são detectados nas fezes de 85 a 95% dos doentes, em exames parasitológicos seriados (pelo menos três amostras).

Entamoeba dispar e Entamoeba histolytica são morfologicamente indistinguíveis, ao exame microscópico comum; a maioria dos laboratórios não recorre a testes específicos para diferenciar uma espécie da outra: 90% dos achados referem-se a Entamoeba díspar. Por intermédio de imunofluorescência direta, usando anticorpos monoclonais específicos, pode-se identificar Entamoeba histolytica (patogênica) e Entamoeba dispar (não patogênica).

Somente as infecções causadas por Entamoeba histolytica requerem tratamento, sendo de aproximadamente 90% o índice de cura com metronidazol administrado a adultos, por via oral, na dose de 750mg, de 8 em 8h, durante 5 a 10 dias. As alternativas ao metronidazol são constituídas pelo iodoquinol (650mg, por via oral, de 8 em 8h, durante 20 dias, e pela paromomicina (500mg, por via oral, de 8 em 8h, durante 7 dias)276,277.
Outras Protozooses. Outros protozoários, entre os quais Giardia lamblia e Blastocystis hominis, podem causar diarréia em doentes com AIDS, sem apresentar evolução diferente da observada na população geral; o tratamento a ser adotada é, portanto, o habitual.

CITOMEGALOVIROSE DIGESTIVA

A virose mais comum e grave do tubo digestivo em doentes com AIDS é a citomegalovirose.

Esofagite e colite são as manifestações observadas com maior freqüência, habitualmente resultantes da reativação de infecção latente nesses órgãos, em indivíduos com número de LT-CD4+ no sangue inferior a 100/mm3.

A odinofagia é o principal sintoma na esofagite por citomegalovírus, nesses enfermos.

A disfagia, muito comum na esofagite por Cândida sp., é incomum ou menos relevante na esofagite por citomegalovírus.

Podem ocorrer náuseas, vômitos e febre pouco intensa. Colite pode instalar-se concomitantemente com esofagite, sobretudo quando estão presentes diarréia e dor abdominal.

O diagnóstico definitivo de citomegalovirose é estabelecido pela demonstração de inclusões intracelulares características em material obtido por biópsia ou em cultura de fragmentos de tecidos. A pesquisa de anticorpos séricos para citomegalovírus não é útil, já que são invariavelmente encontrados nesses pacientes.

Todos os enfermos com esofagite por citomegalovírus devem receber tratamento específico. Essa conduta é discutível na colite por citomegalovírus, por causa dos maus resultados.

O antiviral preferido para o tratamento da citomegalovirose é o ganciclovir, na dose de 5mg/kg, por via intravenosa, de 12 em 12h, durante 2 a 3 semanas; constitui alternativa terapêutica o foscarnet, na dose de 60mg/kg ou de 90mg/kg, de 8 em 8h, também por via intravenosa, de 12 em 12h, durante 2 a 3 semanas.

O valganciclovir, por via oral, na dose de 900mg, de 12 em 12h, permite a obtenção de concentração sérica de ganciclovir (em que se transforma no organismo) comparável à alcançada pelo ganciclovir (administrado por via intravenosa), sendo geralmente preferido para os pacientes que podem receber medicamentos por via oral, administrado também durante 2 a 3 semanas. A esofagite por citomegalovírus costuma responder depois de uma a duas semanas de tratamento, havendo diminuição da intensidade da febre, ou seu desaparecimento, e melhora da odinofagia. Os doentes com colite quase sempre não respondem adequadamente ao tratamento, não costumando haver melhora significativa da dor abdominal e da diarréia. Todos os enfermos com comprometimento do tubo digestivo pelo citomegalovírus devem ser submetidos a avaliação de comprometimento ocular subclínico por esse patógeno.

INFECÇÃO DIGESTIVA COM HERPESVIRUS

O vírus do herpes simples do tipo 2 é o agente etiológico mais comum de lesões perianais, proctite ou colite distal em doentes com AIDS.

Costumam ocorrer diarréia, dor anorretal, tenesmo e hematoquezia (eliminação de fezes sanguinolentas). Nos enfermos com imuno-depressão acentuada as manifestações clínicas dessa virose podem tornar-se crônicas ou recorrentes. O tratamento varia de acordo com a gravidade, sendo o antiviral habitualmente utilizado o aciclovir, na dose de 400 mg, por via oral, de 8 em 8h, durante 7 a 10 dias, ou na dose de 5 a 10mg/kg, de 8 em 8h, por via intravenosa, durante 7 dias. Outros antivirais (penciclovir, walaciclovir e fanciclovir) também são eficazes.

INFECÇÕES BACTERIANAS

O complexo MAC (Mycobacterium avium complex) possui duas espécies intimamente relacionadas: Mycobacterium aves e Mycobacterium intracellulare. A infecção disseminada por essas micobactérias, principalmente por MAC, ocorre em pacientes com AIDS como resultado de infecção primária ou ativação de foco latente.

Antes do advento da moderna e potente terapia contra a AIDS (MART), se nenhuma profilaxia era feita, cerca de 40% dos pacientes desenvolviam doença disseminada por MAC no decorrer dos 2 anos seguintes à realização do diagnóstico de AIDS. Felizmente, a incidência de doença oportunista pelo MAC vem diminuindo, depois da introdução do HAART.

O trato gastrointestinal constitui importante porta de entrada para essas micobactérias, de onde se podem disseminar pelo sangue a outras regiões do organismo. em particular medula óssea, fígado e linfonodos. O principal fator de risco para a infecção por MAC em doentes com AIDS é a intensidade da imunodeficiência, sendo rara a ocorrència dessa infecção oportunista em pessoas com número de LTCD4+ superior a 100/mm3 no sangue. O envolvimento do trato gastrointestinal nesses enfermos ocorre quase que invariavelmente como parte de doença disseminada. As manifestações clínicas mais comuns da infecção disseminada por MAC em doentes com AIDS são constituídas por febre, sudorese noturna, diarréia, perda de peso, dor abdominal, hepatomegalia, anemia e aumento da concentração sérica de fosfatase alcaliaa.

O diagnóstico de infecção disseminada por MAC pode ser estabelecido por meio de culturas de sangue ou de aspirado medular, ou de pesquisa direta de BAAR no aspirado medula; cuja sensibilidade alcança 90 a 95%. Usando sistemas automatizados de cultura, o tempo médio necessário para o dngnóstico varia de 5 a 12 dias. Fragmentos obtidos em biópsia de linfonodo ou de fígado constituem materiais clínicos adequados para a cultura dessas micobactérias. O isolamento de MAC nas fezes pode corresponder apenas à presença de colonização, mas, na vigência de quadro diarréico em doente com AIDS, deve ser considerado como evidência de provável infecção disseminada.

A resposta ao tratamento específico da doença por MAC é habitualmente lenta e o prognóstico costuma ser reservado se não houver reconstituição imunológica como efeito do HAART. Quase sempre, a melhora clínica ocorre no fim de 2 a 4 semanas.

Estudos clínicos na era pré-HAART mostraram que o tratamento convencional (administração de 500mg de claritromicina, de 12 em 12h, em associação com 15mg/kg/dia de etambutol, ambos por via oral, durante 12 meses, para adultos) da infecção pelo MAC induziu a negativação das hemoculturas em 50% dos casos, em 12 semanas, com a ocorrência de recidiva em 30%, depois de os resultados das hemoculturas se terem tornado negativos, tendo sido de 60% a taxa de mortalidade, nesses doentes, por qualquer causa, no período de 24 meses.

Em formas graves da doença deve-se associar um terceiro antimicrobiano (doses para adultos): 500 a 750mg de ciprofloxacina, de 12 em 12h, ou 500 a 750mg de levofloxacina, 1 vez por dia, ou 300mg, 1 vez por dia, de rifabutina, todas por via oral, ou 10 a 15mg/kg de amicacina, em dose única diária por via intramuscular. A azitromicina, na dose de 500 a 600mg/dia, por via oral, pode ser usada como alternativa à claritromicina, sendo também necessária a associação com etambutol, na dose citada. A quimioprofilaxia da infecção pelo MAC com claritromicina ou azitromicina deve ser indicada a doentes com AIDS cujo número de LT-CD4+ no sangue seja inferior a 50/mm3.

A quimioprofilaxia ou o tratamento de manutenção podem ser suspensos depois de ser obtida a reconstituição imunológica (número de LT-CD4+ superior a 100/mm3 durante pelo menos 3 a 6 meses) e remissão clínica da doença por pelo menos 12 meses depois do início do tratamento.

MICOSES

A candidíase oral é uma das infecções fúngicas oportunistas que ocorrem com maior freqüência em pessoas acometidas pelo HIV. Número de LT-CD4+ no sangue inferior a 250/mm3, terapia antimicrobiana e uso prolongado de corticosteróides constituem fatores de risco. De tratamento inicial relativamente simples e eficaz, a maioria dos casos de candidíase oral responde adequadamente, no fim de 5 dias, ao uso tópico de medicamentos tais como clotrimazol (pastilhas orais com 10 mg, 5 vezes por dia, até o desaparecimento das lesões) e nistatina (bochechos e gargarejos, 4 a 5 vezes por dia, com quantidade de líquido contendo 500.000 U).

Ocorrendo falha do tratamento com medicamento tópico, pode-se prescrever o fluconazol, na dose de 100mg/dia, por via oral, até o desaparecimento das lesões. A resistência in vitro aos azóis é mais comum em casos de uso anterior desses medicamentos e de doença avançada, com número de LT-CD4+ inferior a 50/mm3. Alguns autores observaram altos índices de resposta ao fluconazol, apesar de resistência in vitro. Problemas relacionados com a administração contínua ou intermitente de fluconazol são constituídos por desenvolvimento de resistência aos azóis, interações medicamentosas e custo. O uso contínuo de fluconazol em enfermos com candidíase oral deve ser evitado, com a finalidade de reservar esse fármaco para tratamento de infecções fúngicas mais graves, tais como meningite criptocócica, esofagite recorrente e candidíase oral refratária grave.

Havendo resistência ao fluconazol, pode-se recorrer ao itraconazol (100mg/dia, por via oral, até o desaparecimento das lesões) ou à anfotericina B (1 a 5mL de suspensão oral, para bochechar e deglutir, 4 vezes ao dia, ou 0,3 a 0,5mg/kg/dia, por gotejamento intravenoso. Apesar de alguns autores terem descrito altos índices de espécies não albicans, o papel dessas espécies de Cândida na etiologia da candidíase oral, em doentes com AIDS, ainda não foi bem estabelecido.

O tratamento empírico de candidíase esofágica deve ser instituído em doentes com candidíase oral acompanhada de odinofagia em que o número de LT-CD4 no sangue é inferior a 100/mm3. O antifúngico de escolha para o tratamento inicial é o fluconazol, administrado na dose de 100 a 200mg/dia, por via oral, durante 2 a 3 semanas. Na maioria dos pacientes há melhora dos sintomas em 5 dias. Ocorrendo resistência ao fluconazol, deve-se recorrer ao Itraconazol, na dose de 200mg/dia, por via oral, ou ao voriconazol, na dose de 200mg, de 12 em 12h, por via oral, ou à anfotericina B, na dose de 0,3 a 0,6mg/kg/dia, por gotejamento intravenoso, durante 10 a 14 dias, ou à caspofungina, na dose de 70mg, por via intravenosa, no primeiro dia, e, depois, 50mg/dia. Os resultados com o voriconazol foram semelhantes aos obtidos com o fluconazol. Os resultados com a caspofungina foram superiores aos obtidos com a anfotericina B em dois estudos comparativos.

A taxa de recidiva alcançou 84% em um ano, sem tratamento de manutenção. Por esse motivo, o tratamento supressivo (com fluconazol, na dose de 100 ou 200mg/dia, por via oral, para adultos) é freqüentemente necessário, até que se obtenha a reconstituição imunológica com MART. A realização de endoscopia digestiva deve ser indicada quando a apresentação é atípica ou na ausência de resposta clínica ao tratamento empírico; a maioria dos doentes (77%) que não respondeu ao tratamento antifúngico apresentou ulceração esofágica, indicando-se a realização de endoscopia digestiva, com biópsia das lesões, para definição do diagnóstico.

OUTRAS DOENÇAS DIGESTIVAS NA INFECÇÃO HIV

A enteropatia do HIV é uma condição caracterizada por diarréia crônica e outras queixas gastrointestinais cuja etiologia específica ainda não foi estabelecida, sendo o diagnóstico feito por exclusão. O próprio HIV constitui uma das causas postuladas, já esse vírus foi encontrado infectando linfócitos da lâmina própria intestinal; a comprovação desse vinculo somente deve obter-se depois de abrangente investigação, que inclui estudo seriado das fezes e endoscopia digestiva alta e baixa. O tratamento com os modernos anti-retrovirais (HAART) tem como finalidade a reconstituição imunológica, devendo empregar-se associadamente medicamentos antidiarréicos.
O desconforto intenso que as doenças anorretais podem provocar é decorrente de manifestações clínicas, tais como dor, sangramento, tenesmo, diarréia, piorreia, fissuras, hemorróidas, prurido, úlceras e fístulas.

Assim como se observa na população geral, a doença hemorroidária é a doença anorretal mais comum em doentes com AIDS, evoluindo classicamente com dor anorretal e sangramento associado com o esforço da defecação.

Fissuras anais e fístulas causam dor, particularmente durante a evacuação, mas podem estar associadas com sangramento, descarga e odor fétido.

Abscessos perianais geralmente ocasionam dor intensa, junto com febre. A correlação entre a infecção pelo HIV e a presença de acometimento causado por infecções oportunistas anorretais está estreitamente associada com o intercurso anal receptivo e desprotegido.

Freqüentemente o prurido anal manifesta-se no contexto de uma afecção dermatológica generalizada, tal como a farmacodermia, com ressecamento da mucosa, mas pode refletir a presença de infecção local, quase sempre a candidíase ou a enterobíase.

A proctite purulenta pode ser causada por gonorréia ou sífilis. Estudos em homossexuais infectados pelo HIV demonstraram a presença da gonorréia em até 55% deles. Proctite leve (dor, tenesmo e febre) pode ter Chlamydia trachomatis como agente etiológico, com evolução ocasional para linfogranuloma venéreo, com o aparecimento de ulcerações profundas e fístulas perianais, semelhantes às encontradas na doença de Crohn.

Ulcera única anorretal dolorosa pode ser causada por citomegalovírus.

O herpes simples anal é uma das infecções mais comuns nessa localização, apresentando-se geralmente sob a forma de vesículas dolorosas que dão origem a úlceras crônicas.

O acometimento perianal pelo HPV é freqüente, estando associado com a presença de condilomas perianais e de carcinoma de células escamosas. Os condilomas podem assumir proporções gigantes, com aspecto de couve-flor, comprometendo a qualidade de vida dos doentes.

Outras neoplasias perianais, tais como o sarcoma de Kaposi e o linfoma não-Hodgkin, têm sido observadas com freqüência progressivamente maior nos doentes com AIDS. Dor e sangramento podem ocorrer quando esses tumores ulceram.

O exame físico, incluindo o toque retal, é de fundamental importância para o estabelecimento do diagnóstico das doenças anorretais em enfermos com AIDS. O tratamento varia de acordo com a condição envolvida. A doença inflamatória intestinal é incomum em doentes com AIDS; no entanto, deve ser afastado o diagnóstico de doença de Crohn em todo paciente com fissuras e fístulas perianais, bem como o diagnóstico de retocolite ulcerativa em enfermos com proctite.

DOENÇAS OPORTUNISTAS NEUROLÓGICAS E OFTÁLMICAS

As manifestações neurológicas que acometem doentes com AIDS são freqüentes, englobando grande número de síndromes clínicas. Essas doenças podem resultar do envolvimento do sistema nervoso pelo próprio HIV ou ser causadas por infecções oportunistas.

A freqüência elevada com que o HIV acomete diretamente o sistema nervoso central é atribuída ao seu neurotropismo. Embora com menor freqüência com que se observa nos estágios subseqüentes e mais tardios da infecção, o sistema nervoso central pode ser acometido precocemente, já no estágio de infecção primária ou de soroconversão. Nessa fase, já foi descrita a ocorrência de meningite aguda, encefalopatia focal ou difusa, ataxia e mielopatia.

Outras manifestações neurológicas diretamente associadas com a infecção pelo HIV incluem encefalopatia subaguda (complexo demência! associado com a AIDS), meningites subagudas e crônicas, mielopatia, miopatia e neuropatias periféricas.

Diversas complicações neurológicas e oftálmicas podem instalar-se nas fases avançadas da imunodepressão, incluindo infecções oportunistas, neoplasias e manifestações neuroftalmológicas que acometem pacientes na fase aguda ou crônica da AIDS.
A maioria dos doentes com AIDS desenvolve complicações oculares em alguma época da evolução de sua doença, sabendo-se que as complicações mais comuns envolvem a retina. O diagnóstico preciso e precoce das retinopatias não infecciosas e infecciosas (em particular a causada pelo citomegalovírus) é extremamente importante, já que a maioria das retinites infecciosas pode ser tratada, apesar da instalação de seqüelas significativas em muitos casos.
Segue-se análise sucinta das principais afecções oportunistas que acometem o sistema nervoso central e o sistema oftálmico de doentes com AIDS.

TOXOPLASMOSE CEREBRAL

A encefalite por Toxoplasma gondii está entre as causas mais freqüentes de doença neurológica em doentes com AIDS, nos quais constitui a principal causa de lesão encefálica com efeito de massa. De acordo com a prevalência na população geral, estima-se que 30 a 40% dos doentes com AIDS possam desenvolver neurotoxoplasmose, sendo essa a infecção oportunista que determina o diagnóstico de AIDS em 10 a 38% dos casos.
A grande maioria dos casos de neurotoxoplasmose em doentes com AIDS resulta da reativação de cistos teciduais latentes presentes no encéfalo dessas pessoas.

Na AIDS, a encefalite por Toxoplasma gondii apresenta-se clinicamente de diversas formas:

Em mais de 50% dos casos ocorrem manifestações generalizadas, tais como alterações do nível de consciência, incoordenação motora, ataxia, letargia ou coma. As evidências mais comuns de comprometimento focal são constituídas por convulsões, hemiparesia ou hemiplegia, tremor cerebelar e cefaléia. Geralmente o quadro é acompanhado de febre.

Raramente se instalam sinais de irritação meníngea.

No diagnóstico diferencial das lesões observadas na neurotoxoplasmose com comprometimento focal devem ser lembrados com prioridade o linfoma primário do sistema nervoso central e a leucoencefalopatia multifocal progressiva. Em nosso país, a reativação no sistema nervoso central da doença de Chagas deve ser afastada, sobretudo se o paciente reside ou já residiu em regiões de transmissão de Trypanosoma cruzi.

Apesar do diagnóstico diferencial dessas complicações ser difícil do ponto de vista clínico, algumas características, tais como a evolução temporal mais lenta na leucoencefalopatia multifocal progressiva e o resultado do teste sorológico na tripanossomíase americana (reagente na maioria dos casos) dão grande contribuição para o estabelecimento do diagnóstico.

Diante da suspeita de neurotoxoplasmose, deve ser imediatamente indicada a realização de tomografia axial computadorizada de crânio, que, em geral, mostra a presença de múltiplas lesões hipodensas nodulares ou elípticas expansivas, cujo aspecto é intensificado com a administração de contraste em dose dupla, evidenciando o edema perilesional e o efeito de massa, que geralmente se apresenta nos gânglios da base e nos hemisférios cerebrais, sobretudo nos lobos frontoparietais. A ressonância nuclear magnética é mais sensível e pode revelar lesões não evidenciadas pela tomografia.
O exame do líquido cefalorraquidiano não deve ser feito rotineiramente em enfermos com sinais neurológicos de localização, como pode acontecer em casos de neurotoxoplasmose, até que a tomografia computadorizada ou a ressonância magnética possam ser realizadas e demonstrem ausência ou pequeno grau de hipertensão, tendo em vista o risco de complicações decorrentes da punção.

Sempre que possível, porém, o exame do liquor deve ser realizado para descartar outras enfermidades concomitantes, principalmente criptococose e doença de Chagas reativada. A análise do líquido cefalorraquidiano na neurotoxoplasmose geralmente mostra a presença de:

  • hiperproteinorraquia (50 a 200mg/dL),
  • pleocitose linfomononuclear (menos de 200 células/mm3)
  • raramente, hipoglicorraquia

O teste sorológico específico para toxoplasmose tem valor diagnóstico limitado, visto que a maior parte das infecções são decorrentes de reativação de infecção latente. Sua positividade não torna o diagnóstico mais provável, enquanto um valor negativo não o afasta, embora torne o diagnóstico menos provável.

As culturas de líquor para Toxoplasma gondii em células THP1, monitoradas por observação direta e imunofluorescência, constitui técnica muito laboriosa.

A realização da PCR no líquido cefalorraquidiano tem baixa sensibilidade para o diagnóstico de neurotoxoplasmose em doentes com AIDS.

Técnicas utilizando anticorpos (TGA-doi-ELISA) para detecção de antígenos específicos de Toxoplasma gondii no líquor têm sido tentadas para auxiliar no diagnóstico, mas com resultados práticos ainda por serem confirmados.

A biópsia cerebral constitui o único método capaz de estabelecer o diagnóstico definitivo de neurotoxoplasmose; no entanto, devido aos potenciais riscos, raramente esse recurso é utilizado. Mesmo nas lesões com aspecto menos sugestivo do diagnóstico, na tomografia computadorizada, recomenda-se a realização de teste terapêutico para toxoplasmose durante 1 a 2 semanas antes da realização da biópsia. Em geral, evidencia-se ao exame histopatológico a presença de taquizoítas no material obtido por meio da biópsia. A coloração com imunoperoxidade é usada nas amostras teciduais. Sabe-se que o parasita tem predileção pelas paredes das artérias cerebrais e pelo tecido cerebral adjacente.

TRATAMENTO: O tratamento da encefalite por Toxoplasma gondii geralmente é instituído de acordo com critérios clínicos e radiológicos. Quase sempre a resposta clínica ocorre no fim de 7 a 10 dias, e a radiológica, depois de 14 a 21 dias do início da terapia. A ausência de resposta favorável deve alertar o profissional para o diagnóstico diferencial com outras infecções (leucoencefalopatia multifocal progressiva, tuberculose, criptococose, citomegalovirose e doença de Chagas, entre outras) ou processos neoplásicos (linfoma ou sarcoma de Kaposi) que reproduzem o quadro clínico e radiológico da encefalite por Toxoplasma gondii. Como já se mencionou, a biópsia cerebral é de grande auxílio nesses casos, evitando o uso de esquemas terapêuticos inadequados e/ou tóxicos.

O tratamento mais eficiente para a neurotoxoplasmose é constituído pela associação de pirimetamina e sulfadiazina, indicando-se para adultos a dose de 4 a 6g/dia (1 g ou 1,5 g, de 6 em 6h) de sulfadiazina, por via oral, e dose única matinal de 50 a 200 mg de pirimetamina, também por via oral, no primeiro dia, e de 25 a 75 mg/dia, nos dias subseqüentes; recomenda-se administrar, concomitantemente, 10 a 20 mg/dia de ácido folínico, por via oral, durante 3 a 6 semanas. O uso de corticosteróide (dexametasona, na dose de 4 mg, de 6 em 6h, por via intravenosa) fica reservado para os casos com edema e efeito de massa significativos.

A administração de anticonvulsivantes deve ser recomendada aos enfermos que apresentam convulsões, sobretudo quando prolongadas ou recorrentes.

Se ocorrerem efeitos adversos graves à sulfadiazina (mielotoxicidade ou eritema polimorfo) que exijam a suspensão de seu uso, esse medicamento deve ser substituído pela clindamicina, na dose para adultos de 600mg, de 6 em 6h, por via oral ou intravenosa, mantendo-se a administração simultânea de pirimetamina, na dose de 50mg/dia, por via oral. A pirimetamina (50 a 75mg/dia) e o ácido folínico (10 a 20mg/dia) podem ser associados a qualquer um dos seguintes medicamentos como alternativa à sulfadiazina, todos administrados por via oral: claritromicina (2g/dia), azitromicina (1,2 a 1,5 g/dia), atovaquona (3g/dia) e dapsona (100mg/dia). Minociclina, doxiciclina, azitromicina e claritromicina também são considerados medicamentos alternativos, prescritos em associação com a sulfadiazina. Independentemente do regime terapêutico, a profilaxia secundária deve ser mantida até que, por efeito do HAART, o número de LT-CD4+ no sangue se mantenha superior a 200/mm3 durante pelo menos 6 meses consecutivos.

Quando se emprega o esquema com associação de sulfadiazina com pirimetamina para a profilaxia secundária de neurotoxoplasmose, dispensa-se a indicação de profilaxia adicional para a pneumonia por Pneumocystis carinii; se estiver sendo usado o cotrimoxazol para a profilaxia dessa infecção, não há necessidade de acrescentar profilaxia primária para toxoplasmose.
O efeito tóxico mais marcante da pirimetamina é a depressão da medula óssea (trombocitopenia, granulocitopenia ou anemia megaloblástica); a mielodepressão é dose-dependente. A pirimetamina também pode determinar o aparecimento de náuseas, vômitos, febre e/ou erupção cutânea. Os efeitos adversos da sulfadiazina são semelhantes aos da pirimetamina, embora o exantema seja mais freqüente e possa também causar cristalúria e insuficiência renal.

A administração de bicarbonato de sódio, com a conseqüente alcalinização da urina, diminui a incidência de insuficiência renal e cristalúria provocadas pela sulfadiazina.

O comprometimento ocular da toxoplasmose em doentes com AIDS é muito menos comum do que a neurotoxoplasmose. Ao contrário do que se verifica em pessoas imunocompetentes, nas quais a toxoplasmose ocular resulta de infecção congênita e é invariavelmente unilateral, em doentes com AIDS é muitas vezes bilateral e pode ser provocada por infecção adquirida, assim como por reativação da infecção congênita. A toxoplamose ocular caracteriza-se por intensa inflamação vítrea; em geral, as lesões retinianas branco-amareladas são mais nítidas do que as provocadas pelo citomegalovírus, embora também possam causar perivasculite ou envolver o nervo óptico. Essas lesões respondem ao tratamento convencional com clindamicina ou sulfadiazina em associação com pirimetamina, esquema que precisa ser mantido até ser obtida a reconstituição imune com MART, para serem evitadas as recaídas. As lesões retinianas cicatrizadas da toxoplasmose são características, bem diferentes das encontradas na citomegalovirose, apresentando focos de atrofia coriorretiniana circundados por zonas de hipertrofia pigmentar.

CRIPTOCOCCOSE

Cryptococcus neoformans constitui agente comum de meningoencefalite e de infecção disseminada em doentes com AIDS.

Ao contrário de outras infecções oportunistas, admite-se que resulte de infecção primária e não de reativação de infecção latente. Na maioria dos casos, a criptococose manifesta-se, sob a forma de meningite ou meningoencefalite, em enfermos com AIDS em fase avançada da doença, nos quais o número de LT-CD4+ no sangue é quase sempre inferior a 100/mm3.

O sistema nervoso central é acometido em cerca de 80% dos casos, embora alguns pacientes não apresentam evidências clínicas de comprometimento neurológico, que é estabelecido por meio do exame do líquido cefalorraquidiano, às vezes sem que o diagnóstico de criptococose ainda tenha sido cogitado.

A apresentação clínica da neurocriptococose varia desde a presença de sinais e sintomas leves até as clássicas manifestações de meningite e/ou de encefalite, resultantes de edema cerebral e hipertensão intracraniana. Febre, cefaléia e astenia (em cerca de 75% dos casos) constituem as manifestações iniciais da neurocriptococose em doentes com AIDS, com duração de 2 a 4 semanas no momento em que procuram atendimento médico. Outros achados neurológicos, tais como meningismo ou alterações do estado de consciência, são encontrados em apenas 20 a 25% dos casos, respectivamente; alterações focais ocorrem em número ainda menor de doentes; 30 a 40% apresentam náuseas ou vômitos.

Em alguns enfermos a evolução é protraída, com sintomas inespecíficos constituídos por indisposição e febre prolongadas, apesar da demonstração subseqüente da presença de meningite. Por outro lado, poucos doentes com AIDS apresentam neurocriptococose com evolução fulminante para a morte, à semelhança do que se verifica no choque séptico. Ocorrem convulsões em cerca de 10% dos casos e papiledema em proporção ainda menor. As manifestações clínicas superpõem-se e podem ser confundidas com as observadas em outras infecções, tais como tuberculose, toxoplasmose e citomegalovirose, e em neoplasias malignas oportunistas. Os achados histopatológicos na neurocriptococose refletem a presença de processo infeccioso e inflamação do parênquima cerebral, assim como o envolvimento das leptomeninges. Agrupamentos perivasculares de fungos são comuns; a resposta inflamatória é variável, com escassa ou intensa infiltração de macrófagos e células gigantes multinucleadas. A vasculite, com infartos cerebrais secundários, provoca em alguns doentes deficiências neurológicas transitórias, dependendo de sua localização.

A toxoplasmose e a criptococose são, respectivamente, a primeira e a segunda causa mais comum de infarto cerebral e de déficit neurológico transitório em doentes com AIDS. Em alguns casos de neurocriptococose pode ocorrer a formação de cistos e até de criptococomas como resultado da disseminação dos fungos a partir dos espaços perivasculares das artérias penetrantes, onde se formam coleções císticas, evidenciadas por tomografia computadorizada ou ressonância magnética.
Infecção disseminada por Cryptococcus neoformans, sem envolvimento do sistema nervoso central, ocorre com pequena freqüência em doentes com AIDS.

  1. A criptococcemia com disseminação extraneural, com acometimento concomitante do sistema nervoso central, atinge principalmente os pulmões, a medula óssea, os rins e o fígado.
  2. Os linfonodos e o baço são outras localizações comuns de infecção secundária, manifestando-se clinicamente como linfadenite, linfadenomegalia ou esplenomegalia, que pode ser a forma de apresentação da moléstia, circunstância em que a etiologia pode ser atribuída a outros agentes de infecção oportunista em doentes com AIDS.
  3. As vezes ocorre também adenopatia hilar.
  4. A pericardite, embora rara, pode instalar-se como parte da infecção disseminada, ou como achado isolado, evidenciando-se por intermédio de derrame pericárdico.
  5. Amplo espectro de envolvimento miocárdico por Cryptococcus neoformans também tem sido relatado.
  6. Lesões cutâneas ocorrem em pelo menos 10% dos pacientes com criptococose disseminada e podem preceder outras evidências de infecção, apresentando-se habitualmente na face, no couro cabeludo e no pescoço, embora se localizem eventualmente no tronco e nas extremidades; iniciam-se habitualmente como pápulas avermelhadas e indolores, evoluindo depois para lesões macronodulares com bordas eritematosas, ulcerações com bordas elevadas, crostas ou pústulas.
  7. Outras manifestações incomuns de criptococose mucocutânea relatadas em doentes com AIDS incluem lesões herpetiformes ou pápulas hipopígmentadas em grande número, essas assemelhando-se clinicamente ao molusco contagioso. As lesões orais podem ser constituídas por úlceras em palato e língua, endurecidas e elevadas, semelhantes às lesões cutâneas da criptococose.
  8. O comprometimento hepático pode acompanhar a criptococose disseminada e tem sido documentado em 5 a 15% das autópsias de doentes com AIDS; apresenta-se muitas vezes com quadro clínico semelhante ao observado em pessoas com hepatite por vírus, acompanhado de hepatomegalia e aumento pouco acentuado da concentração sérica das aminotransferases e da fosfatase alcalina. O exame histológico de fragmento de fígado obtido por biópsia ou durante a necropsia demonstra a presença de abundantes criptococos, granulomas epitelióide, hiperplasia das células de Kupffer e infiltrado inflamatório dos sinusóides ou do espaço portal.
  9. O envolvimento prostático pelo criptococo costuma ser desacompanhado de sintomas; a próstata atua provavelmente como fonte de criptococos, responsável pela persistência das manifestações clínicas e para recaídas.
  10. Artrite criptocócica, comprometimento das adrenáis e tireoidite ocorrem raramente.

Na fase inicial da doença, em pacientes com meningite criptocócica, a tomografia computadorizada é normal ou evidencia a presença de atrofia cerebral difusa, sendo rara a presença de edema ou hidrocefalia. Lesões com efeito de massa com anéis hipercaptantes ou não captantes, são observadas em cerca de 10% dos enfermos, encontrando-se Cryptococcus neoformans, em alguns casos, no exame histopatológico.

Desde que se torne viável a realização de punção lombar, o exame microscópico do líquido cefalorraquidiano, corado pela tinta-da-China, é positivo para Cryptococcus neoformans em 60 a 80% dos casos. No liquor encontram-se, caracteristicamente, múltiplos microrganismos, número pequeno de leucócitos (5 a 100/mm3) e hiperproteinorraquia (50 a 150mg%); verifica-se aumento de pressão liquórica na maioria dos casos.

Os testes de aglutinação pelo látex para pesquisa de antígenos polissacarídicos de Cryptococcus neoformans no líquido cefalorraquidiano, no sangue e na urina têm grande valor diagnóstico, com alta sensibilidade, permitindo quase sempre a demonstração do agente em casos de infecção criptocócica disseminada ou de neurocriptococose. A concentração desses antígenos é freqüentemente elevada, tanto no sangue como no liquor, e pode variar de 1:64 a 1:10.000 ou mais. Apesar disso, a variação dos títulos séricos desses antígenos não servem para avaliar a resposta terapêutica, embora a persistência de taxas elevadas ou seu aumento no líquido cefalorraquidiano constituam indício de falha do tratamento.

O tratamento de primeira escolha da neurocriptococose em doentes com AIDS é feito com a combinação de anfotericina B (0,7mg/kg/dia, por gotejamento intravenoso) e flucitosina (100mg/kg/dia, por via oral), durante 14 dias (fase de indução), dotado da capacidade de esterilizar o liquor em 60 a 90% dos casos. Em seguida, a terapia deve ser continuada com a administração, para adultos, de 400mg/dia de fluconazol, por via oral, durante 8 semanas ou até que o liquor fique estéril (fase de consolidação), e, depois, de 200mg/dia desse mesmo medicamento (fase de manutenção), indefinidamente.

O uso da flucitosina aumenta significativamente a probabilidade de esterilização do liquor em 2 semanas e reduz a possibilidade de recaídas na fase de manutenção da terapia. No entanto, o uso de flucitosina é difícil, pelo fato de que os pacientes com AIDS apresentam baixa tolerância a esse medicamento, com a ocorrência freqüente de reações hematológicas adversas (rápido desenvolvimento de anemia e leucopenia, ou trombocitopenia). Em alguns casos, náuseas e vômitos também limitam o uso oral desse antifúngico.
Esquemas alternativos para doentes com intolerância à anfotericina B têm sido propostos, com resultados menos satisfatórios: o tratamento com derivados azólicos isolados mostrou que o fluconazol e o itraconazol apresentam índices de falha de 40 a 57%, respectivamente, sendo necessário ressaltar que a terapia com fluconazol deve ser reservada apenas para os casos mais leves de criptococose, cujo prognóstico seja considerado bom, com título de antígeno polissacarídico criptocócico no liquor inferior a 1:1.024, celularidade liqüórica maior que 20 leucócitos/mm3 e estado de consciência preservado. Nessa situação, pode-se indicar o uso de fluconazol, em dose para adultos de 400mg/dia, por via oral, durante 6 a 10 semanas, seguida de 200mg/dia, até que, como resultado da MART, se obtenham evidências de reconstituição imunológica que permitam a suspensão da profilaxia secundária. O itraconazol não constitui boa alternativa para o tratamento da neurocriptococose, por causa de sua baixa penetração no sistema nervoso central, evidenciada pela pequena concentração que alcança no liquor.

Constituem outras terapias para a neurocriptococose:

  1. O uso de anfotericina B (0,7 a 1 mg/kg/dia, por gotejamento intravenoso), durante 14 dias, não associada com a flucitosina, seguida pela administração de fluconazol, nas mesmas doses e no mesmo esquema citado.
  2. O fluconazol (400 a 800mg/dia, por via oral) associado com flucitosina (100mg/kg/dia, por via oral), durante 6 a 10 semanas.
  3. Anfotericina lipossomal (4mg/kg/dia, por gotejamento intravenoso), durante 14 dias, seguida de fluconazol (400mg/ dia, por via oral), durante 8 a 10 semanas.

A profilaxia secundária, em adultos, pode ser feita com o fluconazol (200mg/dia, por via oral) ou com a anfotericina B (1 mg/kg, 1 ou 2 vezes por semana, por gotejamento intravenoso). Alternativa menos segura é constituída pelo itraconazol, administrado na dose de 200mg, de 12 em 12h, por via oral, com a ingestão das cápsulas junto com bebidas ácidas, durante as refeições, para aumentar sua absorção. O emprego da formulação oral do itraconazol pode minorar esse problema.

A profilaxia secundária da criptococose pode ser suspensa quando o número de LT-CD4+ no sangue alcançar número superior a 100/mm3, mantido durante período superior a 6 meses depois de terminado o tratamento inicial e o paciente encontrar-se assintomático.

Alguns especialistas recomendam realizar exame de líquido cefalorraquidiano e só suspender a profilaxia se a cultura para criptococos encontrar-se negativa. Deve-se reinstituir a profilaxia se o número de LT-CD4+ sofrer redução para valor mais baixo que 100/mm3. Não há consenso sobre a utilidade da administração de corticosteróide.

SIFILIS

A sífilis pode ter evolução mais grave em doentes com AIDS, com complicações neurológicas precoces e intensas.

Podem ocorrer:

  1. meningite aguda e crônica
  2. neuropatias periféricas e centrais
  3. demência
  4. doença cerebrovascular
  5. mielopatia

A punção lombar para exame do líquido cefalorraquidiano é recomendada para toda pessoa com sífilis latente há mais de 1 ano ou com duração não definida. Têm sido relatados casos de sífilis meningovascular que se evidencia depois do tratamento aparentemente bem-sucedido da sífilis primária. Deve-se ressaltar que o diagnóstico da neurossífilis nesses pacientes pode ser difícil, já que a AIDS e a sífilis têm manifestações físicas semelhantes e, freqüentemente, acarretam alterações do liquor e, embora raramente, com resultado negativo de testes sorológicos do Laboratório de Pesquisa de Doenças Venéreas (VDRL, Venereal Disease Research Laboratory), e imuno-fluorescência indireta); a sensibilidade do VDRL, realizado no liquor desses pacientes, varia de 30 a 70%.

O tratamento das formas primária, secundária e latente precoce (duração inferior a 1 ano) da sífilis deve ser feito com penicilina G benzatina, na dose de 2.400.000U, por via intramuscular, em adultos.

Na forma latente tardia (duração maior que um ano ou duração não definida), é indicada a dose de 2.400.000U de penicilina G benzatina, por via intramuscular, 1 vez por semana, durante 3 semanas.

A neurossífilis será tratada com 18 a 24 milhões de unidades de penicilina G cristalina, por via intravenosa, durante 10 a 14 dias.

Com nenhum outro antimicrobiano são obtidos melhores resultados do que com a penicilina G no tratamento de todas as formas clínicas da sífilis em doentes com AIDS, embora na neurossífilis a ceftriaxona pareça promover resultado equivalente, administrada na dose de 2g/dia, por via intravenosa ou intramuscular, durante 14 dias, em adultos.

A doxiciclina, na dose de 100 mg, por via oral, de 12 em 12h, durante 14 a 28 dias (para as formas primária e secundária da sífilis, e para a forma latente tardia, respectivamente), além de penicilina G procaína, na dose de 800.000U/dia, associada à probenicida, por via intramuscular, durante 10 a 14 dias (esquemas para adultos), constituem outras alternativas citadas pelos especialistas. A ceftriaxona, na dose de 125 mg/dia, por via intramuscular, durante 10 dias, ou de 250mg/dia, também por via intramuscular, administrada em dias alternados, no total de 5 doses, ou de 1 g/dia, em dias alternados, no total de 4 doses, constituem esquemas alternativos propostos para o tratamento das formas primária, secundária ou latente precoce da sífilis.

O acompanhamento, com monitoração dos títulos séricos de VDRL (VDRL quantitativo), deve ser feito 3, 6, 12 e 24 meses depois de terminado o tratamento.

A realização de novo tratamento deve ser considerado:

  1. Se houver elevação do título sérico do VDRL após o primeiro mês.
  2. Se não houver queda de pelo menos quatro diluições no sexto mês depois do tratamento.
  3. Se o título não for menor que 1/8 no décimo segundo mês depois do tratamento.
  4. Se houver aumento persistente do título do VDRL após queda inicial.
  5. Ou se persistirem sinais e sintomas depois do tratamento.

CITOMEGALOVIROSE NEUROLOGICA

Em doentes com AIDS, o citomegalovírus pode provocar vários tipos de comprometimento do sistema nervoso, dos quais são mais comuns:

  1. a ventriculoencefalite
  2. a polirradiculopatia ascendente

Essas situações costumam ocorrer nas fases mais avançadas da evolução da AIDS, quando o número de LT-CD4+ no sangue se encontrar abaixo de 50 ou 100/mm3.

QUADRO CLÍNICO

POLIRRADICULOPATIA

A polirradiculopatia é, em geral, a primeira a manifestar-se, acometendo principalmente os membros inferiores, com algum envolvimento da medula espinhal.

Essa combinação, embora pouco comum, vem sofrendo aumento de sua incidência, sobretudo por causa da sobrevida mais prolongada dos doentes com AIDS; sua importância refere-se ao fato de que pode responder ao tratamento específico, quando diagnosticada precocemente.

Quase sempre, os pacientes queixam-se de:

  1. paresia ascendente em ambas as pernas
  2. diminuição de força muscular dos membros inferiores
  3. evolui para paralisia flácida
  4. abolição dos reflexos tendinosos profundos
  5. perda sensorial distal

Mais tarde, instala-se grau variável de comprometimento esfincteriano, tendo como principais conseqüências retenção urinária e dor em região sacral.

Os membros superiores são acometidos somente quando essa complicação não for reconhecida.

Não há método definitivo para o estabelecimento do diagnóstico específico; a análise do líquido cefalorraquidiano evidencia a presença de pleocitose, com predomínio de leucócitos polimorfonucleares, além hiper-proteinorraquia e hipoglicorraquia, na ausência de qualquer patógeno identificável.

A demonstração do citomegalovírus no liquor por intermédio da PCR ocorre em 50 a 60% dos casos. Em muitos doentes com AIDS e citomegalovirose pode ocorrer o aparecimento de radiculite, associada com eventual acometimento retiniano; por isso, é de importância fundamental a realização de fundoscopia nos enfermos que apresentarem radiculite.

O tratamento deve ser realizado com a administração intravenosa de ganciclovir, no mesmo esquema adotado na terapia da retinopatia por citomegalovírus. O foscarnet também constitui boa alternativa, em particular nos casos em que se desenvolve resistência do vírus ao ganciclovir. O tempo de tratamento ideal não está estabelecido, devendo estender-se habitualmente por 3 a 4 semanas.

A eficiência terapêutica do valganciclovir ainda não foi estabelecida nessa situação. Os sintomas podem agravar-se nas duas primeiras semanas de tratamento, mas a maioria dos enfermos alcançam estabilidade clínica. Terapia de manutenção é habitualmente indicada por tempo indefinido, com base na pressuposição de que haverá recorrência da citomegalovirose se o medicamento for suspenso; no entanto, as avaliações mais recentes indicam ser possível a suspensão da profilaxia secundária da citomegalovirose quando ocorrer reconstituição imunológica, promovida pela MART.

VENTRICULOENCEFALITE:

A outra complicação no sistema nervoso central causada pelo citomegalovírus é a ventriculoencefalite, que se desenvolve no decorrer de poucos dias ou em até 2 semanas.

O quadro clínico é constituído por letargia, confusão mental, febre e convulsões.

Em geral, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética do crânio não possibilitam diagnóstico.

A análise do liquor evidencia pleocitose linfomononuclear, hipoglicorraquia e concentração de proteínas normal ou aumentada; a pesquisa de antígenos pode permitir a confirmação diagnostica, sendo, no entanto, preterido em relação à PCR, cujas sensibilidade e especificidade são, respectivamente, de 80 e 90%.

RETINITE

A retinite por citomegalovírus é a mais importante infecção oportunista que pode acometer os olhos de doentes com AIDS. A prevalência dessa retinite nesses enfermos variava entre 5 e 29%, mas sua prevalência reduziu-se drasticamente depois da introdução na rotina da moderna MART.

Essa complicação da citomegalovirose resulta da disseminação hematogênica do vírus após a reativação de foco latente. A perda progressiva da acuidade visual constitui o principal sintoma, com variações relacionadas com o local e a intensidade do comprometimento retiniano. Na maioria dos casos tem início em um dos olhos, tendendo, no entanto, a acometer o outro, quando o diagnóstico e o tratamento precoces não são realizados.

 

O diagnóstico específico é praticamente inviável. Não há correlação entre os resultados dos testes sorológicos para citomegalovirose e os achados de outros exames do globo ocular e do humor vítreo. De tal modo que o diagnóstico de retinite é estabelecido por intermédio de exame do fundo do olho, que mostra alterações altamente características. As zonas retinianas com infecção apresentam aspecto esbranquiçado e, muitas vezes, com distribuição perivascular. O grau de hemorragia associada a essas lesões é muito variável. As bordas das lesões são irregulares, contribuindo para o aspecto em chama de vela. Os focos de retinite podem ser unilaterais ou bilaterais e envolver todas as áreas da retina. As lesões periféricas, que têm maior probabilidade de passar despercebidas, geralmente são assintomáticas e tendem a associar-se com hemorragia discreta e menor opacificação da retina do que nas lesões posteriores. O citomegalovírus pode comprometer o nervo óptico, embora essa alteração seja menos comum do que as lesões primárias da retina. A perda da visão pode progredir rapidamente e acarretar deficiência grave. No entanto, o tratamento antiviral imediato pode recuperar, freqüentemente, parte da função do nervo óptico, embora os sinais de neuropatia óptica, tais como escotoma central, anomalia pupilar aferente e discromatopsia, possam persistir.

Aspecto peculiar da retinite citomegálica é constituído pelo grau mínimo de inflamação intra-ocular concomitante. Na maioria dos casos pode-se detectar apenas discreta inflamação do vítreo e da câmara posterior, por meio da biomicroscopia com lâmpada de fenda; esse achado contrasta com os graus significativamente mais intensos de inflamação intra-ocular encontrados em outras infecções oportunistas oculares menos comuns, tais como toxoplasmose, necrose retiniana aguda ou endoftalmite fúngica. Embora as alterações inflamatórias intra-oculares possam ser mínimas no comprometimento dos olhos pelo citomegalovírus. elas quase sempre são detectáveis, e esse fato pode ajudar na diferenciação clínica entre as retinopatias infecciosas e não infecciosas.

Deve-se ressaltar que, como o advento do moderno HAART, tem sido descrita uma nova manifestação da citomegalovirose denominada vitrite de reconstituição imunológica, relacionada com a presença na retina de infecção latente pelo citomegalovírus; sua incidência é variável (0,11 a 0,86 pessoas-ano), caracterizando-se por processo inflamatório intenso na câmara posterior do globo ocular e podendo complicar-se por edema macular cistóide, membranas epirretinianas e papilite.

O tratamento dessa condição é feito apenas com o uso de corticosteróide sistêmico ou periocular. Caso não seja tratada, a retinite citomegálica progride lentamente, porém de forma inexorável, produzindo zonas de atrofia e fibrose da retina em sua evolução até a cegueira, quando houver infecção da mácula ou do nervo óptico.

A retinite citomegálica costuma ser a infecção oportunista que leva ao diagnóstico da AIDS em pequena parcela dos pacientes, pois acomete, em geral, pessoas com intensa imunodepressão, em fases avançadas da doença e com história pregressa de outras infecções e neoplasias oportunistas.
Vários outros tipos de alterações podem ser provocados pelo citomegalovírus em doentes com AIDS, comumente com a presença de acometimento da retina, incluindo edema, anormalidades vasculares (tais como obstrução dos vasos retinianos) e descolamento da retina; entre essas, a última é a mais grave. Os pacientes com retinite citomegálica extensa não tratada desenvolvem habitualmente descolamentos retinianos exsudativos, em estágios mais avançados da citomegalovirose, que podem ser corrigidos cirurgicamente.
O tratamento da retinite aguda pelo citomegalovírus em doentes com AIDS, que antes se restringia ao uso de ganciclovir ou de foscarnet, administrados por via intravenosa, passou a ter outras opções, como decorrência da reconstituição imunológica proporcionada pela moderna MART.

Os implantes intra-oculares de medicamentos, cuja realização era muito difícil na prática, por causa da necessidade freqüente de intervenções cirúrgicas de reposição, para garantir a concentração intra-ocular dos antivirais específicos e evitar o comprometimento do olho contralateral (já que o acesso dos medicamentos se limita ao olho tratado), passaram a ter melhor prognóstico, uma vez que utilização de um implante com concentração adequada de medicamento intra-ocular, mantida durante período de 6 meses, permite que, no decorrer desse tempo, com a terapia anti-retroviral, haja recuperção da função imune, a ponto de dispensar-se tratamento subseqüente da citomegalovirose. Além disso, com o advento do ganciclovir administrado por via oral e, mais recentemente, do valganciclovir (que no organismo dá origem ao ganciclovir) tornou mais fácil e efetivo o tratamento de manutenção e, mesmo, a terapia inicial. Como alternativa, existe ainda o fomivirsen, que é apresentado sob forma de composto para injeção intravítrea, e o cidofovir, usado por via intravenosa em associação com a probenecida, por via oral, com a finalidade de aumentar sua concentração sérica.

No nosso meio, devido ao custo e às dificuldades técnicas, aliada à pequena experiência com a colocação dos implantes, vem-se utilizando habitualmente o tratamento sistêmico. De modo geral, recorre-se ao ganciclovir, na dose de 5mg/kg/dose, 2 vezes ao dia, durante 14 a 21 dias, seguindo-se a administração de 5mg/kg/dia (profilaxia secundária), até que desapareçam os sinais de doença ativa (avaliados pelo exame oftalmológico) e que o número de LT-CD4+ no sangue alcance número superior a 100 ou 150/mm3, mantido durante período superior ou igual a 6 meses, caso o paciente possa realizar exames oftalmológicos regulares.

A profilaxia deve ser reinstituída se o número de LT-CD4+ no sangue cair para menos de 50 a 100/mm3. Existem amplas evidências clínicas sugerindo que o ganciclovir é eficiente para interromper a progressão da retinite causada pelo citomegalovírus, exercendo efeito virostático.

Em mais de 80% dos casos, as zonas de infecção retiniana ativas se transformam em tecido fibroso coriorretiniano inativo, e as culturas virais demonstram que o citomegalovírus é eliminado do sangue e da urina durante o tratamento. Número significativo de doentes pode desenvolver infecções refratárias, na vigência da terapia de manutenção (5mg/kg/dia). Cerca de 30% dos pacientes tratados apresentam recorrências no decorrer do tratamento de manutenção; outros esquemas de reindução podem ser necessários para tratar esses casos.

A neutropenia é a complicação mais comum associada com o uso do ganciclovir, com necessidade freqüente de interrupção do tratamento ou redução das doses de manutenção. Outras complicações do tratamento sistêmico com o ganciclovir são constituídas por:

  1. alterações das provas de função hepática (aumento da concentração sérica das aminotransferases);
  2. necrose da mucosa do trato gastrointestinal;
  3. atrofia testicular;
  4. diarréia persistente;
  5. neuropatia.

O uso do foscarnet constitui alternativa terapêutica para a retinite citomegálica. Trata-se de análogo do pirofosfato, que interfere nas polimerases do DNA viral do citomegalovírus e de outros vírus, em doses que não alteram as polimerases do DNA do hospedeiro. Esse medicamento possui também alguma atividade contra retrovirus humanos, atuando por inibição da transcriptase reversa. A eficiência do foscarnet é comparável à do ganciclovir, com a vantagem de não causar neutropenia ou acentuá-la; a dose é de 60mg/kg, de 8 em 8h, ou de 90mg/kg, de 12 em 12h, durante 14 a 21 dias, devendo ser administrado por infusão intravenosa contínua. Seu efeito nefrotóxico é significativo, se bem que geralmente reversível; outras complicações, tais como anormalidades dos níveis séricos de cálcio e fósforo e ulcerações penianas também podem ocorrer.
A formulação oral do ganciclovir pode ser indicada para a profilaxia secundária da coriorretinite pelo citomegalovírus, na dose de lg, de 8 em 8h. Alguns pesquisadores recomendam-no na profilaxia primária da citomegalovirose em doentes com número de LT-CD4+ no sangue inferior a 100/mm3; no entanto, os dados disponíveis ainda são insuficientes para pôr em prática essa indicação.
O valganciclovir deve ser administrado, em adultos, na dose de 900mg, de 12 em 12h, por via oral, durante 14 a 21 dias, seguindo-se dose de manutenção de 900mg/dia, parecendo ter eficácia comparável à do ganciclovir aplicado por via intravenosa.
O fomivirsen é usado na dose de 330 g, por intermédio de aplicações intravítreas no primeiro e no décimo quinto dias, seguidas por uma aplicação por mês (dose de manutenção). A compreensão de que a citomegalovirose tem natureza sistêmica, apesar de sua expressão focal retiniana, sugere que qualquer tratamento local, caso escolhido, seja associado ao uso do valganciclovir por via oral, para melhor controle da infecção.

OUTRAS RETINITES VIRÁIS

Embora a maior parte das infecções retinianas oportunistas seja causada pelo citomegalovírus, a retinite infecciosa pelos vírus do herpes simples ou pelo vírus do varicela zóster, também conhecida como necrose retiniana aguda, pode ocorrer com freqüência elevada em doentes com AIDS.

A necrose retiniana aguda por herpesvírus, que também pode acometer pessoas hígidas, é um tipo de necrose da retina não associada com o citomegalovírus; a maioria dos casos tem como provável agente etiológico o vírus do varicela zóster. Caracteristicamente, a infecção retiniana apresenta-se com áreas confluentes extensas de necrose amarelo-esbranquiçada, muitas vezes em localização periférica ou médio-periférica. Ao contrário da retinite citomegálica, muitos enfermos se apresentam com uveíte e reação vítrea significativas. E comum haver história pregressa de infecção por herpes zóster (não envolvendo obrigatoriamente o nervo trigêmeo).

Outra forma de necrose retiniana aguda encontrada em doentes com AIDS é a necrose retiniana externa. As manifestações iniciais incluem o aparecimento de várias lesões coróides e retinianas profundas, associadas com perda visual rapidamente progressiva, refletindo a lesão extensa produzida sobre as camadas retinianas mais externas. Areas extensas de necrose retiniana periférica, assim como o envolvimento do pólo posterior e do nervo óptico, podem ser comumente observadas nos estágios mais avançados do distúrbio. Embora os vírus do herpes simples e, em menor grau, o vírus do varicela zóster sejam sensíveis ao aciclovir, é recomendável considerar a utilização do ganciclovir nesses casos, já que esse medicamento tem atividade contra todos esses vírus. Como o agente etiológico nesses tipos de retinite infecciosa é habitualmente difícil de determinar, mesmo por meio de técnicas invasivas, tais como biópsia de retina ou cultura do vítreo, o uso do ganciclovir está justificado, apesar de sua toxicidade significativa.

LEUCOENCEFALOPATIA MULTIFOCAL PROGRESSIVA

DEFINIÇÃO: A leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP) é outro distúrbio que acomete enfermos com AIDS em estágios avançados da doença, sendo freqüentemente encontrada em pacientes com número de LT-CD4+ no sangue inferior a 100/ mm3.

ETIOPATOGENIA: A doença é causada pelo vírus JC, um papilomavírus humano, e atingia 5 a 10% dos doentes com AIDS, antes do advento do HAART. Nos dias atuais acomete não mais que 1 a 2% desses doentes.

SINTOMATOLOGIA: A leucoencefalopatia multifocal progressiva apresenta-se clinicamente, em cerca de 40% dos casos, como doença neurológica focal, com sintomas iniciais de

  1. fraqueza
  2. distúrbios da fala
  3. anormalidades cognitivas
  4. alterações do sistema límbico
  5. distúrbios visuais (em 20 a 30% dos casos)
  6. com menor freqüência, convulsões.

O nível de consciência quase sempre está preservado e raramente há febre.

DIAGNOSTICO: A tomografia computadorizada do crânio evidencia no cérebro áreas de hipodensidade, sem efeito tumoral ou edema e, quase sempre, sem a ocorrência de intensificação das imagens com uso de contraste, localizando-se com predomínio nas áreas parietooccciptais.

A ressonância magnética do cérebro é útil, não apenas por demonstrar maior número de lesões com mais nitidez, mas também por evidenciar que elas se limitam à substância branca e que o córtex se encontra preservado.

Geralmente, o exame do líquido cefalorraquidiano é normal ou apresenta-se com discretas alterações de celularidade, sendo identificado o vírus JC pela PCR em 80% dos casos.

No exame histológico de fragmento cerebral obtido por biópsia evidencia-se a presença de desmielinização; a imunofluorescência direta é positiva para o vírus JC, mostrando as inclusões típicas nos oligodendrócitos, constituindo método diagnóstico definitivo.

TRATAMENTO: Não há tratamento eficaz para a leucoencefalopatia multifocal progressiva; no entanto, com o emprego do efetivo HAART tem havido redução considerável de sua incidência.

No entanto, uma vez instalada, mesmo o uso desse tratamento (HAART) não modifica substancialmente a evolução invariavelmente fatal dessa doença.

O emprego terapêutico do cidofovir, nessa doença, tem sido proposto, uma vez que é potente inibidor da replicação do poliomavírus e atravessa bem a barreira hematoencefálica, alcançando concentração adequada no liquor. Há relatos de que a associação do cidofovir com o potente HAART é mais eficaz no controle da replicação do vírus JC, com melhora do quadro neurológico e aumento da sobrevida.

Há também referência ao uso de interferon-alfa, no tratamento da leucoencefalopatia multifocal progressiva em doentes com AIDS, na dose de 3.000.000U/dia, concluindo-se que a melhora da sobrevida deveu-se ao HAART empregada associadamente.

Tentativas terapêuticas com amantadina, arabinosídeo de adenosina, foscarnet e ganciclovir, citosinoarabinosídeo por via intratecal e corticosteróide não foram bem-sucedidas.
O melhor índice de avaliação prognóstica é o número inicial de LT-CD4+ no sangue.

A mediana de sobrevida varia de 1 a 6 meses.

OUTRAS COMPLICAÇÕES NEUROLÓGICAS E OFTÁLMICAS

Numerosas outras complicações infecciosas e neoplásicas podem envolver o sistema nervoso central e periférico de doentes com AIDS.

Como se poderia esperar, as infecções comumente associadas à deficiência da imunidade celular, tais como salmoneloses, listeriose, micobacterioses e micoses, ocorrem com maior freqüência. As infecções que acometem comumente pessoas com deficits de mecanismos relacionados com a imunidade humoral, tais como a doença pneumocócica e as infecções causadas por Haemophilus influenzae, ou com neutropenia (infecções por Staphylococcus aureus, por Pseudomonas aeruginosa e por outros bacilos Gram-negativos entéricos) são menos comuns, porém podem acometer também as meninges.

Listeria monocytogenes e Nocardia asteroides são bacilos Gram-positivos cuja participação etiológica deve ser considerada em doentes com AIDS e meningite ou abscesso cerebral; no entanto, a incidência desses patógenos em meningites é menor que 1%.

Nos doentes com AIDS, as infecções por Mycobacterium tuberculosis e por micobactérias do complexo MAC ocorrem com freqüência significativa, apresentando-se habitualmente sob a forma de infecção disseminada; Mycobacterium tuberculosis está comumente envolvido na etiologia de infecções do sistema nervoso central nesses pacientes, embora tenham sido observados casos cujos agentes foram micobactérias atípicas. Meningite associada com sinais de comprometimento de pares cranianos constitui o principal quadro neurológico causado por Mycobaterium tuberculosis, embora também possa ser responsável por abscesso cerebral e tuberculoma.

Observam-se no exame do líquido cefalorraquidiano pleocitose linfomononuclear, acentuada hiperproteinorraquia (>100 mg/dL) e intensa hipoglicorraquia (<20mg/dL).

O tratamento da meningite ou meningoencefalite tuberculose é semelhante ao da tuberculose pulmonar, já descrito neste capítulo. Recomenda-se no primeiro mês de tratamento a administração de corticosteróide, de início a dexametasona, por via intravenosa, e depois a prednisona. por via oral, com o objetivo de diminuir o processo inflamatório e suas conseqüências para o sistema nervoso central.

As complicações neuroftalmológicas são extremamente comuns em doentes com AIDS, variando desde o complexo demencial até lesões focais provocadas por infecção ou neoplasia. Entre os sinais e sintomas oculares que se observam nesses enfermos, os mais marcantes são constituídos por alterações do campo visual resultantes de lesões intracranianas expansivas, tais com as encontradas na neurotoxoplasmose e em neoplasias malignas, especialmente no linfoma do sistema nervoso central. A meningite criptocócica constitui causa comum dos problemas neuroftálmicos diagnosticados em doentes com AIDS, induzindo ampla variedade de anormalidades, tais como oftalmoplegia externa, nistagmo, edema de papila e cegueira cortical.

As infecções oportunistas oculares não virais são raras em doentes com AIDS; os microrganismos que acometem o globo ocular com maior freqüência são os seguintes:

  1. Toxoplasma gondii,
  2. Mycobacterium tuberculosis
  3. Treponema pallidum
  4. Pneumocystis carinii

Este último provoca necrose multifocal típica da coróide. sem comprometer a função visual.

Essas infecções são muito raras e têm sido relatadas em enfermos submetidos ao tratamento profilático com pentamidina administrada por aerossol. Nos doentes com AIDS têm sido descritas como responsáveis por endoftalmite infecções causadas pelo complexo MAC e por Cryptococcus neoformans, Histoplasma capsulatum e Candida albicans. O comprometimento inicial e primário dessas infecções geralmente se limita à coróide, quase sempre sob a forma de coroidite multifocal.

Habitualmente a endoftalmite bacteriana é acompanhada de inflamação vítrea extensa. Para estabelecer o diagnóstico etiológico é invariavelmente necessário realizar vitrectomia diagnostica, com cultura e exame histopatológico visando a identificação do agente etiológico.

CO-INFECÇÕES EM DOENTES COM SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA

As co-infecções em doentes com AIDS têm assumido maior relevância nos últimos anos. A superposição da epidemia de AIDS com o aumento da incidência de outras doenças, sobretudo as de caráter endêmico, vem aumentando, considerando-se principalmente a maior suscetibilidade, tanto biológica quanto social, desses indivíduos.

De modo geral, os doentes com AIDS apresentam manifestações menos usuais e evolução mais grave dessas moléstias, dificultando-lhe o diagnóstico e o tratamento.

Destacam-se entre elas:

  1. a doença de Chagas,
  2. a leishmaniose,
  3. a hanseníase,
  4. a paracoccidiodomicose,
  5. a malária
  6. as hepatites virais crônicas.

MANIFESTAÇÕES DA SÍNDROME DA RECONSTITUIÇÃO IMUNOLÓGICA

Paradoxalmente, com a melhora imunológica obtida como conseqüência do efetivo HAART, principalmente quando se utilizam os inibidores da protease, alguns doentes - em particular os que apresentavam imunodeficiência mais acentuada e que responderam prontamente ao tratamento citado, com rápido aumento do número de LT-CD4+ no sangue - desenvolvem processos inflamatórios associados com determinados patógenos, que podem ser confundidos com os provocados por infecção oportunista e/ou conseqüente a falha terapêutica, mas que na verdade correspondem ao aumento do acesso e, como conseqüência, do número de células do sistema imunológico nos locais dessas infecções latentes ou persistentes.

Infecções por citomegalovírus podem provocar intensos processos inflamatórios oculares (uveíte e vitrite), assim como bactérias do complexo MAC são capazes de causar linfadenite (periaórtica e mesentérica), em associação com osteomielite, bursite, insuficiência adrenal e/ou nódulos cutâneos.

Respostas paradoxais com infecção tuberculosa também têm sido descritas, caracterizadas pelo agravamento dos sintomas e acentuação das alterações radiológicas, com febre alta, adenomegalia, lesões expansivas no sistema nervoso central e grandes derrames.

No tratamento, além da manutenção ou a introdução de esquemas específicos para o patógeno em questão, há necessidade do emprego associado de corticosteróide, ou simplesmente indicar o uso exclusivo desse medicamento (em geral com a administração de 1 mg/kg/dia de prednisona, durante 1 a 2 semanas, com posterior redução gradativa da dose), como se faz na vitrite por citomegalovírus, mantendo-se obviamente, em todas as eventualidades citadas, a terapia anti-retroviral.

DOENÇAS NEOPLÁSICAS OPORTUNISTAS

Assim como as infecções oportunistas, a ocorrência de neoplasias é relativamente comum em doentes com AIDS, sobretudo naqueles em que o estágio da imunodeficiência é mais avançado; são mais freqüentemente encontrados o sarcoma de Kaposi e o linfoma de células.

A presença mais comum de neoplasias malignas nesses enfermos demonstra a relação entre déficit da função imune e o desenvolvimento de tumores malignos.

Com o advento da MART, tratamento potente e efetivo, a freqüência do sarcoma de Kaposi em doentes com AIDS sofreu drástica redução. Quanto aos linfomas, particularmente os linfomas não-Hodgkin, houve aumento absoluto e proporcional na sua incidência, talvez como decorrência da reconstrução imunológica incompleta promovida pelo tratamento anti-retroviral, assim como por causa do aumento da sobrevida média dos doentes com AIDS.

Na atualidade os especialistas estão preocupados em avaliar se outras neoplasias passarão a surgir com maior freqüência nos doentes com AIDS.
Sabe-se que a incidência do linfoma de Hodgkin não é claramente mais alta em doentes com AIDS; no entanto, pode haver diferença significativa dessa taxa, incluindo freqüência maior nos enfermos em fase mais avançada da AIDS, com o exame histológico evidenciando a presença de celularidade mista e acometimento extraganglionar mais comum.

A ocorrência de câncer anal e cervical e de neoplasias associadas com a infecção por papilomavírus é maior em doentes com AIDS, fato devido à maior incidência de infecções por esses vírus nessa população.

O trauma que se verifica durante o contato sexual também é apontado como causa de proliferação de células neoplásicas. Exame cuidadoso do colo cervical e da região anal, incluindo a realização de colposcopia e exame de esfregaços corados pelo método de Papanicolaou, está indicado rotineiramente em homens (região anal) e mulheres (regiões anal e do colo cervical) com AIDS. Estudo recente evidenciou alta freqüência de alterações citológicas/histológicas em homens com AIDS, incluindo os sem história de intercurso anal receptivo; sugerindo que todo homem infectado pelo HIV com número de LT-CD4+ no sangue inferior a 500/mm3 deve submeter-se a exame proctológico periódico.

O tratamento do carcinoma cervical é efetuado com radioterapia e/ou intervenção cirúrgica, não sendo indicada a criocirurgia, por causa da grande freqüência de recidivas. O câncer anal deve ser tratado com ressecção cirúrgica ampla, seguida de radioterapia e/ou quimioterapia complementares.
Como regra geral, qualquer tipo de neoplasia maligna nessa população é de difícil tratamento, tanto por causa da maior incidência de efeitos adversos à quimioterapia e à radioterapia quanto pela instalação mais comum de infecções oportunistas, facilitada pela imunodepressão induzida pela AIDS e por esses procedimentos terapêuticos.

Sarcoma de Kaposi

O sarcoma de Kaposi foi a primeira neoplasia maligna a ser descrita em associação com a AIDS, continuando ainda como o tumor mais comumente diagnosticado nos doentes com essa retrovirose, nos quais sua incidência é estimada como 20.000 vezes maior do que a observada na população geral. No entanto, sua freqüência, nesses enfermos, vem diminuindo progressivamente, graças ao efeito do moderno HAART.

A doença atinge principalmente homossexuais do sexo masculino (incidência de 10 a 20 vezes maior).

A descrição do sarcoma de Kaposi em homossexuais de sexo masculino sem infecção pelo HIV fundamentou a hipótese de participação etiológica de algum agente infeccioso, independente do HIV, transmitido por contato sexual.

Foi identificada, então, uma seqüência de DNA oriunda de lesões de sarcoma de Kaposi extraídas de doentes com AIDS; em investigações posteriormente realizadas, essa seqüência de DNA, identificada por PCR, também foi encontrada em lesões de sarcoma de Kaposi em enfermos que tinham contato sexual com homens sem infecção pelo HIV, aumentando a evidência da hipótese de ocorrer a participação de outro patógeno na etiologia do sarcoma de Kaposi.

Esse agente foi identificado como herpesvírus associado com sarcoma de Kaposi (KSHV, Kaposi sarcoma herpesvírus) ou herpesvírus humano do tipo 8. Esse  virus foi detectado em fragmento de tecido tumoral em 90% dos casos de sarcoma de Kaposi em doentes com AIDS, e em 50%, no sangue periférico.

Por outro lado, em apenas 8% dos doentes com AIDS sem sarcoma de Kaposi o resultado dessa pesquisa é positivo, e em parte significativa deles (cerca de 50%) desenvolve-se o sarcoma de Kaposi, em período de 10 anos.

A transmissão do herpesvírus humano do tipo 8 parece dar-se por intermédio de secreções orais.

O delineamento de conduta racional para o tratamento de doentes com AIDS e sarcoma de Kaposi exige, de início, reconhecer a diversidade das apresentações clínicas desse tumor, o impacto emocional que seu diagnóstico provoca e o amplo espectro das outras complicações relacionadas com a AIDS que podem coexistir com essa neoplasia.
As lesões do sarcoma de Kaposi podem localizar-se em qualquer parte do organismo.

Em alguns enfermos, o sarcoma de Kaposi cutâneo pode apresentar-se sob a forma de pequeno número de máculas localizadas, ligeiramente eritematosas, que passam despercebidas na maioria dos exames médicos.

No entanto, em outros casos, as lesões cutâneas podem ser constituídas por múltiplos nódulos e placas grandes, com pigmentação violácea, ocorrendo em localizações onde é fácil sua visualização.

Embora o sarcoma de Kaposi possa ser encontrado em qualquer área da superfície cutânea, é comum localizar-se no nariz, na região periorbitária, no pavilhão auricular, na genitália e no pé. O edema, habitualmente atribuído ao comprometimento de vasos linfáticos da derme pelo tumor, quase sempre o acompanha. As localizações em que o sarcoma de Kaposi é encontrado com maior freqüência incluem as extremidades inferiores, os genitais externos e o tecido periorbitário.

Embora não seja manifestação característica, algumas lesões podem ser dolorosas, particularmente as que se instalam nos pés.

O sarcoma de Kaposi extracutâneo é habitualmente encontrado junto com o comprometimento cutâneo, com dimensões variáveis. As lesões podem localizar-se na boca, assumindo forma variável: desde placas arroxeadas assintomáticas no palato duro, até grandes nódulos ulcerados envolvendo palato mole, gengiva, língua e amídalas.

Nessa última eventualidade podem aparecer sintomas obstrutivos, com dificuldade para comer e falar, em associação eventual com sangramento abundante. Em alguns casos as lesões acometem toda a extensão do trato gastrointestinal, sendo habitualmente submucosas e muitas vezes assintomáticas, embora possam ser responsáveis por dor, sangramento ou obstrução.

O comprometimento de linfonodos pelo sarcoma de Kaposi é muito comum; na maioria dos casos os linfonodos encontram-se apenas ligeira ou moderadamente hipertrofiados, podendo o exame histopatológico de fragmento obtido por biópsia evidenciar apenas áreas focais do sarcoma de Kaposi, envoltas por hiperplasia folicular. Ocasionalmente, podem ser vistos linfonodos com intensa hipertrofia. Embora tenha sido descrito o envolvimento de vários órgãos (fígado, baço, rins, adrenais etc), o sarcoma de Kaposi pode surgir nos pulmões como nódulos isolados ou múltiplos, ou sob a forma de infiltrados intersticiais difusos, que podem ser confundidos com infecções oportunistas, assumindo; no entanto, aspecto reticular e costumando acompanhar o trajeto de um vaso, principalmente em regiões hilares.

Derrames pleurais podem ocorrer quando há envolvimento pelo tumor da superfície da pleura; os derrames podem ser sangüíneos ou quilosos. Embora a maioria das manifestações clínicas do sarcoma de Kaposi não seja diretamente ameaçadora à vida, pode estar associada a incapacidade física significativa. Além disso, o impacto psicossocial que desencadeia difere das outras manifestações da AIDS. As lesões desfigurantes são causa comum de rejeição e isolamento social, e mesmo as lesões discretas podem servir como lembrança constante de doença potencialmente fatal.
O diagnóstico diferencial do sarcoma de Kaposi deve ser feito principalmente com angiomatose bacilar, nevos, hemangiomas, linfoma de células B e granuloma piogênico.
O tumor acomete comumente as conjuntivas oculares e as pálpebras dos doentes com AIDS. Quando se manifesta na conjuntiva, pode estar instalado no tecido bulbar ou no tecido társico, apresentando-se geralmente sob a forma de lesão vermelho-vivo, com ou sem hemorragia subconjuntival associada. As lesões da pálpebra têm coloração mais purpúrea, podendo ser planas ou elevadas. De modo geral o tumor não invade o olho (só em casos raros, por intermédio das veias emissárias) e não compromete a função visual. O edema associado à obstrução linfática e ao sarcoma extenso das pálpebras e tecidos anexos pode provocar obstrução das pálpebras, exigindo radioterapia como tentativa de promover a reabertura da fenda palpebral.
O tratamento das neoplasias malignas em doentes com AIDS deve ser orientado por oncologista com experiência nos tumores citados. O tipo de tratamento instituído varia de acordo com a extensão e a gravidade das lesões; a conduta, muitas vezes, atende apenas à questão estética. O uso da terapia anti-retroviral potente (HAAR) revolucionou o prognóstico do sarcoma de Kaposi em doentes com AIDS; há muitos relatos de cura do tumor, mesmo em sua forma visceralizada, apenas com a reconstituição imunológica promovida por esse tratamento.
O tratamento sistêmico do sarcoma de Kaposi deve ser o preferido em casos de grande carga tumoral (mais de 25 lesões cutâneas, acometimento visceral sintomático, edema intenso, ausência de resposta ao tratamento local e presença de sintomas B da classificação do CDC).

Linfomas

Com o advento do potente HAART, houve grande diminuição da incidência de infecções oportunistas e do sarcoma de Kaposi em doentes com AIDS; o mesmo, no entanto, não ocorreu com o linfoma não-Hodgkin, talvez por ser necessário período mais prolongado de reconstituição imunológica para que se estabeleça a proteção contra o desenvolvimento dessa neoplasia maligna.

Nos doentes com AIDS é de 200 a 600 vezes maior a probabilidade do desenvolvimento de linfoma não-Hodgkin do que em pessoas da população geral; em cerca de 3% deles se desenvolverá esse tipo de linfoma como primeira manifestação de AIDS.

O linfoma não-Hodgkin costuma ter evidências histológicas de intensa malignidade, demonstrando-se por imunofenotipagem a origem de células B. Na maioria dos casos verifica-se a presença de lesões extranodais em estágio avançado e presença de manifestações sistêmicas. Entre as localizações extranodais, a mais freqüente refere-se ao sistema nervoso central. A causa do linfoma não-Hodgkin no contexto da AIDS permanece obscura, havendo diversos fatores entre os apontados como oncogênicos (o herpesvírus humano do tipo 8 e o vírus Epstein-Barr, entre outros); em presença de imunodeficiência, induzem ativação policlonal, com o desenvolvimento de clones de células B imortalizadas e o aparecimento posterior da neoplasia.

Habitualmente, no momento em que aparece a doença linfomatosa, o número de LT-CD4+ no sangue é inferior a 200/mm3.

Mais de 80% dos doentes apresentam sintomas constitucionais, tal como definido pelo sistema de estadiamento de Ann Arbor isto é, febre inexplicada, sudorese noturna e/ou perda de mais de 10% do peso corpóreo.

A apresentação inicial da doença é extremamente variável, porque os locais anatômicos envolvidos são múltiplos e muitas vezes extranodais. Pequena parcela dos enfermos apresenta comprometimento linfonodal isolado. Os locais extranodais mais freqüentemente envolvidos são o sistema nervoso central, o trato gastrointestinal e a medula óssea, mas qualquer região do organismo pode ser acometida, tal como a órbita, a mandíbula, a pele, os pulmões, o coração, os rins, os músculos e os ossos.

O envolvimento desses órgãos e tecidos extranodais resulta freqüentemente de doença amplamente disseminada. O linfoma não-Hodgkin relacionado com a AIDS caracteriza-se por apresentar alterações histológicas muito agressivas, correspondendo às três categorias principais de linfomas associados com a infecção pelo HIV:

  1. Linfoma de Burkitt ou Burkitt-símile.
  2. Linfoma de células B imunoblásticas.
  3. Linfoma de efusão (exsudativo) primária

O estadiamento desses tumores deve incluir:

  1. Avaliação completa do sistema nervoso central, com a realização de tomografia computadorizada e de exame do líquido cefalorraquidiano.
  2. Exame do trato gastrointestinal, com endoscopia digestiva alta, ultra-sonografia e tomografia do abdome, e colo-noscopia, conforme o caso.
  3. Exame da medula óssea, com mielograma e biópsia bilateral.
  4. Exame específico de qualquer outro local, a critério do especialista.

O diagnóstico é feito por meio de biópsia de gânglio ou, eventualmente, do tecido extranodal acometido.

A incidência do linfoma primário do sistema nervoso central, em adultos com AIDS, varia de 2 a 6% em adultos com AIDS, sendo a neoplasia maligna do sistema nervoso central mais comumente encontrada nesses doentes, seguida pelas metástases intracranianas dos linfomas sistêmicos e pelo sarcoma de Kaposi; sua freqüência em doentes com AIDS é mil vezes maior que na população geral e seu aparecimento está associado com a infecção pelo vírus Epstein-Barr.

Os enfermos habitualmente se apresentam com:

  1. distúrbios cerebrais focais,
  2. alterações no nível de consciência,
  3. afasia,
  4. aumento da pressão intracraniana,
  5. paralisia de nervos cranianos,
  6. convulsões,
  7. ataxia
  8. síndromes cerebelares

Raramente há queixa de febre.

Os sintomas e sinais instalam-se em poucas semanas. O número de LT-CD4+ no sangue tende a ser ainda mais baixo do que em outros tipos de linfoma, geralmente inferior a 50/mm3, podento acometer pessoas já tratadas e com resposta imunológica favorável ao potente HAART. O líquido cefalorraquidiano costuma apresentar-se com pleocitose, hiperproteinorraquia, hipoglicorraquia e células linfomatosas; a pesquisa do DNA do vírus EpsteinBarr, por intermédio da PCR, tem índices de especificidade e sensibilidade de 94 e 80%, respectivamente.

O principal achado tomográfico é de uma ou poucas lesões irregulares, mal delimitadas, hipodensas, tipicamente periventriculares, com captação de contraste perilesional e edema.

A ressonância nuclear magnética é capaz de evidenciar lesões com mais de 4 mm de diâmetro.

A certeza diagnostica é obtida por meio de biópsia estereotáxica ou craniotomia; no entanto, nem sempre as condições clínicas do paciente e/ou a localização tumoral permitem a realização de procedimentos invasivos, podendo optarse, nesses casos, por prova terapêutica contra a toxoplasmose durante 1 a 2 semanas. Se nesse período não houver evidência de melhora clínica, o tratamento antitumoral deverá ser instituído.

Outra forma bem mais rara de linfoma não Hodgkin, observada em doentes com AIDS, é o linfoma exsudativo primário (em que não se encontram massas tumorais), que se apresenta sob a forma de derrames serosos (pleural, peritoneal, pericárdico e de espaços articulares), ricos em linfócitos com alto grau de malignidade e presença de herpesvírus humano do tipo 8.

Embora o processo não progrida além das serosas, possui prognóstico reservado, com sobrevida média de 2 a 3 meses.

Como já se comentou para o sarcoma de Kaposi, o oncologista-hematologista, necessariamente, deve acompanhar esses pacientes e orientar o tratamento. Diversos regimes quimioterápicos têm sido empregados no linfoma não-Hodgkin associado com a AIDS. Os índices de resposta inicial são de 50 a 60%, porém o prognóstico a longo prazo é reservado, com sobrevida mediana inferior a um ano. Com a associação ao HAART, o prognóstico melhora, com sobrevida de 84% em 1 ano.

A manutenção de tratamento anti-retroviral em vigência da quimioterapia é controversa.

De um lado, poderia ser útil por melhorar a imunidade do paciente e auxiliar na resposta antitumoral, mas por outro poderia potencializar efeitos adversos da quimioterapia (mielotoxicidade, neurotoxicidade, hepatotoxicidade etc), além da dificuldade da administração dos medicamentos, por causa dos efeitos adversos da quimioterapia sobre o trato gastrointestinal (náuseas, vômitos e dirréia), com risco de absorção diminuída e redução dos seus níveis séricos e teciduais, o que favoreceria a emergência de linhagens virais resistentes.

Quanto ao linfoma primário do sistema nervoso central, o tratamento convencional é constituído pela associação de radioterapia e uso de corticosteróide. Pode-se associar a quimioterapia nos doentes com número maior de LT-CD4+ no sangue. Observa-se boa resposta em 33 a 57% dos casos, porém com medianas de sobrevida de apenas 4 a 8 meses.

TERAPIA ANTI-RETROVIRAL

A conduta terapêutica específica a ser adotada em doentes com AIDS tem-se tornado cada vez mais complexa, devido ao acúmulo de conhecimentos científicos, de que resultou a possibilidade do uso de vários esquemas, com diversos tipos de anti-retrovirais, e, como conseqüência, o aumento do risco de efeitos adversos por eles induzidos e de interações com outros medicamentos indicados.

O Ministério da Saúde publicou em 2004 três guias para o tratamento anti-retroviral de adultos, adolescentes, crianças e gestantes (incluindo neste a profilaxia da transmissão vertical do HIV). Recentemente foi publicada por Dolin et al. uma revisão atualizada dos anti-retrovirais e da terapia e quimioprofilaxia das infecções oportunistas.
No momento atual, o tratamento da fase crônica da AIDS é efetuado com a combinação de pelo menos três medicamentos anti-retrovirais. Na fase aguda da infecção pelo HIV, os estudos efetuados não evidenciaram influência na mudança da evolução futura (a longo prazo), como decorrência do tratamento feito com anti-retrovirais.

Nas pessoas assintomáticas infectadas pelo HIV o início do HAART tem como base o número de LT-CD4+ no sangue, estando formalmente indicado quando esse número for igual ou inferior a 200 LT-CD4+/mm3, já que se sabe que, nessa eventualidade, há risco significativo do desenvolvimento de infecções oportunistas. Simultaneamente se deverá instituir a quimioprofilaxia das infecções oportunistas. Quando o número de LT-CD4 + no sangue estiver entre 200 e 350/mm3 a necessidade de instituição do tratamento anti-retroviral deverá ser considerada.

O principal objetivo do HAART é suprimir a replicação viral e, dessa forma, retardar a progressão da imunodeficiência e/ou restaurar, tanto quanto possível, a imunidade, aumentando a sobrevida e melhorando a qualidade de vida do paciente.

O que se pretende atingir é a supressão intensa e continuada da replicação viral, já que a evolução natural da infecção pelo HIV pressupõe a ocorrência de replicação viral intensa e ininterrupta em diversos compartimentos celulares e anatômicos.
Alguns aspectos devem ser considerados na indicação desse tratamento, sabendo-se que, mesmo em estágios avançados da doença, pode possilitar a restauração parcial do sistema imune:

  1. A médio e a longo prazo os anti-retrovirais podem induzir o aparecimento de efeitos adversos, sobretudo decorrentes de toxicidade hepática, nefrotoxicidade, lipodistrofia etc.
  2. Os anti-retrovirais interagem com grande número de outros medicamentos, prescritos pelo médico ou usados por decisão do próprio paciente (automedicação).
  3. Entre os efeitos adversos provocados pelos anti-retrovirais, alguns são facilmente confundíveis com manifestações clínicas próprias da AIDS.

Co-infecções relativamente comuns (tuberculose e hepatite viral crônica, em particular) podem dificultar a formulação do esquema terapêutico anti-retroviral.

Não constitui tarefa simples estabelecer a estratégia mais adequada para o início do tratamento anti-retroviral, sobretudo em pessoas com imunodeficiência moderada.

No entanto, tem prevalecido o consenso de recomendar o início do tratamento com a prescrição de dois inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos (ITRN), aos quais se podem associar um inibidor da transcriptase reversa não análogo de nucleosídeos (ITRNN) ou um inibidor de protease (IP).

São numerosos os guias terapêuticos internacionais destinados a orientar o tratamento anti-retroviral da AIDS; periodicamente, o Ministério da Saúde do nosso país, por intermédio da Coordenação Nacional de DST/AIDS, publica e atualiza as recomendações terapêuticas para adultos/adolescentes, crianças e gestantes, estabelecendo quais as combinações terapêuticas que devem ser utilizadas à luz do conhecimento vigente, seus efeitos adversos, interações medicamentosas e posologias. Essas recomendações, desde sua primeira edição, encontram-se disponíveis no endereço eletrônico www.aids.gov.br.

Esquema terapêutico eficaz é aquele que é capaz de reduzir em pelo menos 1 logo (90%) a carga viral, depois de 4 a 6 semanas de tratamento.

Caso essa queda não ocorra e/ou a carga viral se mantenha nesse período superior a 10.000 cópias/mL, recomenda-se considerar a possibilidade de mudança do esquema terapêutico, depois de avaliar a adesão do paciente ao tratamento.

A carga viral na vigésima quarta semana é o melhor indicador da resposta a longo prazo, desejando-se que seja indetectável ou inferior a 5.000 a 10.000 cópias/mL; também se espera, nesse momento, que ocorra aumento do número de LT-CD4+ no sangue. Nos doentes com cargas virais muito elevadas (por exemplo, mais de 10 cópias/mL), em que se inicia a terapia anti-retroviral, pode ser necessário período maior para que esses objetivos sejam alcançados.

Ao serem atingidos os objetivos almejados, recomenda-se o acompanhamento do doente, com avaliação do número de LT-CD4+ no sangue e da carga viral com intervalos de três a quatro meses, ou sempre que houver indicação com base no comportamento da evolução clínica do caso.

Ao prescrever o esquema de terapia anti-retroviral, é importante observar a motivação do paciente e sua capacidade em adotar a rotina de uso desses medicamentos. Estudos realizados demonstraram que a falta de adesão do paciente constitui a principal causa de falha do tratamento, já que induz a concentração sérica insuficiente dos anti-retrovirais, a qual possibilita a replicação viral e a seleção de linhagens resistentes. Ao lado da intolerância e dos efeitos tóxicos desses medicamentos, a falta de adesão é o motivo mais comum que exige a mudança nos esquemas terapêuticos.

O desenvolvimento de linhagens de vírus resistentes aos anti-retrovirais é um dos principais motivos da falência do tratamento. A seleção de variantes resistentes decorre da alta capacidade de replicação viral, que em algumas situações pode chegar a dez milhões de novas partículas por dia. Mesmo na ausência de tratamento anti-retroviral, a taxa de produção de linhagens mutantes é muito alta. Em vigência de tratamento, as variantes resistentes do HIV são selecionadas como linhagens dominantes.
Existem atualmente dois testes para medir, respectivamente, a resistência e a sensibilidade aos anti-retrovirais: a genotipagem e a fenotipagem.

  1. A base da genotipagem é constituída pela análise de mutações associadas com a resistência. É capaz de detectar cepas mutantes quando correspondem a pelo menos 20 a 30% do total da população viral, possibilitanto medida indireta da resistência.
  2. A fenotipagem envolve quantificação direta da sensibilidade ao medicamento. A replicação viral é medida em cultura de células sob a pressão seletiva de concentrações crescentes de anti-retrovirais, comparada com o que se observa em sua ausência. A grande limitação desse teste é o tempo prolongado para a execução e seu alto custo.

Entre os efeitos adversos associados com o emprego dos anti-retrovirais, ganharam relevo nos últimos anos a lipodistrofia e as alterações metabólicas constituídas por hipertrigliceridemia, hipercolesterolemia e aumento da resistência à insulina.

A lipodistrofia ou síndrome lipodistrófica refere-se ao conjunto de alterações tardias e freqüentes observadas em doentes com AIDS, não obrigatoriamente relacionadas com o uso de anti-retrovirais. Lipomatoses simétricas, lipomas localizados, aumento do volume da região cervicodorsal (giba de búfalo), aumento do volume abdominal, aumento do volume das mamas e lipoatrofia facial têm sido encontrados com diferentes freqüências e graus de intensidade.

Abrangência e Custo da Terapia Anti-retroviral

Apesar da ocorrência de acentuados progressos, prevalece ainda, na maioria dos países subdesenvolvidos (o Brasil é uma exceção), grande discrepância entre o número de pessoas que necessitam de terapia anti-retroviral (4 a 8 milhões) e o das que estão sendo tratadas (400.000 pessoas, no fim de 2003).

Embora venham aumentando os recursos financeiros destinados ao tratamento e à prevenção da AIDS, em todo o munda, tendo passado de US$ 300 milhões, em 1996, para US$ 5 bilhões em 2003 (crescimento de 15 vezes), esse valor corresponde a menos de 50% dos recursos necessários, estimados para 2005. para os países subdesenvolvidos.

Estima-se nessa publicação da Organização Mundial da Saúde que sejam necessárias US$ 20 bilhões para a implementação de um programa completo para a AIDS, em todo o mundo, incluindo a oferta de tratamento anti-retroviral para 6 milhões de doentes.

PROFILAXIA

Métodos de Controle

Medidas Preventivas

Há efetivamente apenas duas alternativas práticas para enfrentar a epidemia de AIDS:

prevenir novas infecções pelo HIV e

oferecer tratamento anti-retroviral a todas as pessoas que dele necessitam

Diante da inexistência de vacina contra a AIDS, os esforços preventivos envolvem educação sobre práticas sexuais, mudança de hábitos sexuais e outros, e o trabalho junto aos grupos de pessoas - incluindo os usuários de drogas injetáveis; e profissionais do sexo e seus clientes - que estão sob afete risco de sofrer a infecção pelo HIV.

O público, a comunidade médica e os responsáveis pelos órgãos governamentais, todos precisam de melhor informação sobre AIDS. Muitas pessoas infectadas desconhecem essa condição; outras não procuram orientação, mesmo quando disponível, devido ao estigma eis potenciais repercussões.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, o programa de prevenção da AIDS só será eficaz se tiver um compromiso político e comunitário capaz de modificar e/ou diminuir comportamentos de alto risco de transmissão do HIV

As principais medidas preventivas da AIDS assinaladas publicação encontram-se mencionadas a seguir:

A educação para a saúde, tanto do público geral a que se adota nas escolas, deve ressaltar que o ato sexual com vários parceiros e o compartilhamento agulhas e seringas para injeção de drogas estão associados com alto risco de infecção pelo HIV.

Também se deve prover os estudantes de conhecimentos e meios necessários para evitar comportamentos perigosos. Para os jovens em idade escolar é indispensável a criação de programas que considerem as necessidades e os níveis de desenvolvimento dos estudantes e das pessoas que não estão em escolas. Também é necessário satisfazer as necessidades específicas dos grupos minoritários, das pessoas cuja língua materna é diferente, e as que apresentam deficiências visuais e auditivas.

  1. A única forma segura de evitar a infecção pelo HIV por meio de contato sexual é a abstinência ou a prática de relações sexuais monogâmicas, com pessoa que não esteja infectada. Se isso for viável, é importante usar de forma correta preservativos (camisas-de-vênus ou, simplesmente, camisinhas) de látex, toda vez que se vai ter contato sexual vaginal, anal ou oral. Os preservativos de látex com lubrificantes hidrófilos diminuem o risco de transmissão sexual do HIV, desde que usados com técnica apropriada.
  2. A ampliação do número e da qualidade dos centros de tratamento dos usuários de drogas injetáveis pode diminuir a freqüência da transmissão do HIV Foram avaliados programas para o ensino de métodos de desconta minação a pessoas que utilizam agulhas, e programas com base no intercâmbio de agulhas; ambos se demonstraram eficazes.
  3. Devem ser instalados serviços de orientação e realização de testes para detectar a infecção pelo HIV de forma anônima e/ou confidencial. No Brasil existem os Centros de Testagem e Aconselhamento, onde são colhidas amostras de sangue para a realização nas pessoas interessadas, em laboratórios de serviços de saúde pública, gratuita e sigilosamente, de testes sorológicos para o diagnóstico da infecção pelo HIV. Nas clínicas para tratamento de doenças sexualmente transmissíveis, tuberculose e de usuários de drogas injetáveis devem ser ofertados serviços de orientação, realização voluntária de testes sorológicos para detectar a infecção pelo HIV e encaminhamento para consultas médicas. O acesso a essas ofertas deverá ser possibilitado a mulheres que procuram os serviços de pré-natal ou de planejamento familiar, aos homossexuais do sexo masculino nas instituições onde são atendidos e às pessoas de comunidades nas quais é alta a soroprevalência da infecção pelo HIV É também importante recomendar às pessoas sexualmente ativas que solicitem tratamento imediato das doenças adquiridas em contatos sexuais.
  4. Devem ser submetidas a testes sorológicos para o diagnóstico da infecção pelo HIV (e por outros patógenos) todas as unidades de sangue e plasma colhidas em bancos de sangue, sendo transfundidas apenas as unidades cujos resultados dos exames foram negativos. Questionários apropriados permitirão afastar os candidatos a doador de sangue que tenham corrido o risco de infectar-se com o HIV: essas pessoas também não deverão ser incluídas entre os doadores de órgãos, tecidos ou células para transplante (incluindo o sêmen, para inseminação artificial). Se possível, o sêmen, o leite e os ossos doados por qualquer pessoa devem ser congelados e ser assim conservados durante 3 a 6 meses antes do uso.
  5. Os médicos deverão adotar rigorosamente as indicações clínicas relativas às transfusões; deverá ser estimulada a realização de transfusões autólogas.
  6. Só devem ser utilizados os produtos com fatores de coagulação que tenham sido submetidos a teste para detecção sistemática do HIV, assim como submetidos a tratamento especial a inativação do vírus.
  7. Devem ser adotadas medidas rigorosas na manipulação, no emprego e na eliminação de seringas, agulhas e outros instrumentos cortantes. Os profissionais de saúde usarão sempre luvas de látex, protetores oculares e outros equipamentos de proteção individual para evitar o contato com sangue ou líquidos visivelmente sanguinolentos. Se uma só gota de sangue de paciente infectado entrar em contato com a pele de um profissional de saúde, a área atingida deve ser lavada imediatamente com água e sabão. As precauções já citadas devem ser postas em prática no atendimento de todos os doentes e nos procedimentos realizados por técnicos de laboratório (precauções universais).
  8. De acordo com a Organização Mundial da Saúde todas as crianças assintomáticas infectadas pelo HIV devem ser adequadamente vacinadas.
  9. Todas as gestantes devem receber no início da gravidez informações relacionadas com os mecanismos de transmissão do HIV e serem estimuladas a realizar os testes sorológicos para o diagnóstico da infecção por esse vírus, como parte da rotina do atendimento pré-natal. Nas gestantes com sorologia positiva deve-se adotar a conduta padronizada para a prevenção da transmissão do HIV durante a gravidez e no momento do parto, descrita a seguir.
  10. A indicação de quimioprofilaxia primária ou secundária deverá ser feita ou considerada em relação às infecções oportunistas, de acordo com o número de LT-CD4+ no sangue e com o resultado dos exames complementares específicos.

Na última década houve grande avanço nos conhecimentos que acabaram por possibilitar intervenção prática de grande eficácia na prevenção da transmissão do HIV de gestantes infectadas para os seus filhos, durante a gravidez e no momento do parto, com o emprego de medicamentos anti-retrovirais, em particular a zidovudina.

Esquemas alternativos com outros anti-retrovirais têm sido avaliados.

Os dados da literatura indicam que a realização da quimioprofilaxia com zidovudina, indicada à mãe (no decorrer da gravidez e durante o trabalho de parto) e de seu recém-nascido (no pós-parto) reduzem significativamente a freqüência de transmissão do HIV da mãe infectada para seu filho.

Segundo o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, o esquema profilático com a zidovudina é o seguinte:

  1. Antes do parto: administração de zidovudina, por via oral, na dose de 200mg, de 8 em 8h, ou de 300mg, de 12 em 12h, ou de 100 mg, 5 vezes por dia, iniciando entre a décima quarta e a trigésima quarta semana de gestação e mantendo-se durante toda a gravidez.
  2. Durante o parto: administração de 2mg/kg de zidovudina, por gotejamento intravenoso, durante 1 hora, seguida pela infusão intravenosa contínua de 1 mg/kg/hora, até o fim do trabalho de parto.
  3. Pós-parto: administração ao recém-nascido de 2mg/kg/ dose de zidovudina (sob a forma de xarope), de 6 em 6h, nas primeiras 6 semanas de vida, com início nas primeiras 8 a 12h de vida; nos recém-nascidos que não tolerarem a zidovudina por via oral, deverá esse medicamento ser administrado por via intravenosa, na dose de 1,5mg/kg, de 6 em 6h. Para crianças com menos de 35 semanas de gestação ao nascimento deve-se indicar 1,5mg/ kg/dose de zidovudina, por via intravenosa, ou 2mg/kg/ dose, por via oral, de 12 em 12h, mudando o intervalo entre as doses para 8 horas depois de o recém-nascido ter completado 2 semanas de vida, se apresentava mais de 30 semanas de gestação ao nascimento, ou depois de ter completado 4 semanas de vida, se apresentava menos de 30 semanas de gestação ao nascimento.

    Na mesma publicação, encontram-se pormenores sobre a conduta a ser tomada nas diversas situações que se apresentam, assim como os esquemas com outros anti-retrovirais (isolados ou em associações) que podem ser adotados na profilaxia da transmissão do HIV de gestantes para seu filho, durante a gravidez ou no momento do parto.
  4. As mulheres infectadas pelo HIV que tomaram corretamente a zidovudina durante a gravidez e que se apresentam na trigésima sexta semana da gestação com menos de 1.000 LT-CD4+ no sangue, deve ser indicada a realização de cesariana, começando a administração de zidovudina por gotejamento intravenoso 3 horas antes do início da intervenção cirúrgica; em relação ao recém-nascido a conduta a ser adotada é a mesma acima descrita. Nesses casos, também está indicado o início, antes ou depois da cirurgia, de novo esquema terapêutico anti-retroviral.
  5. As mulheres infectadas pelo HIV, que também tomaram adequadamente a zidovudina durante a gravidez, mas cuja carga viral é não detectável na trigésima sexta semana da gestação, não é obrigatória a indicação de cesariana.
  6. Naquelas que não receberam zidovudina durante a gravidez e cuja carga viral é desconhecida, deve-se-lhes propor a realização de cesariana, na trigésima oitava semana de gestação, que, junto com a administração de zidovudina (a ela e ao recém-nascido), contribui para diminuir o risco de transmissão do HIV ao recém-nascido.

Controle do Doente, dos Comunicantes e do Ambiente

Uma vez estabelecido o diagnóstico de AIDS, o médico deve notificar o caso ao serviço de saúde local.

No Brasil não é compulsória a notificação da infecção inaparente pelo HIV, isto é, dos soropositivos sem sintomas ou sinais da doença.

O isolamento do doente com AIDS, por si só, é desnecessário. No entanto, precauções universais (relativas a sangue e líquidos corpóreos) deverão ser adotadas no cuidado de doentes hospitalizados. Outros tipos de precauções estão indicadas, segundo o tipo de infecção oportunista que o doente venha a apresentar.

Deverá ser feita desinfecção concorrente do mobiliário e do equipamento contaminado com sangue ou líquidos corpóreos do doente, ou com fezes, urina ou secreções visivelmente contaminadas com sangue ou com líquidos corpóreos; para isso serão utilizados sabões ou germicidas tuberculicidas.

Quarentena não deve ser adotada. Os(as) doentes e seus(suas) parceiros(as) sexuais não deverão doar sangue, plasma, órgãos para transplante, tecidos, células, sêmen (para inseminação artificial) nem leite materno (para os bancos de leite materno).

Deverá ser feita investigação dos comunicantes e da fonte de infecção. A pessoa infectada pelo HIV deverá notificar sua situação a seus contatos sexuais ou companheiros com os quais compartilhou o uso de seringas e agulhas para injeção de drogas.

A notificação por parte dos profissionais de saúde só se justifica quando o paciente, depois de ter recebido orientação apropriada, continue a opor-se a revelar sua condição ao(à) parceiro(a), desde que o profissional de saúde tenha segurança de que não causará dano ao caso-índice ao avisar o cônjuge ou companheiro(a). Toda medida a ser tomada deverá ser confidencial.

O emprego da terapia anti-retroviral será efetuado de acordo com os critérios de sua indicação.

Imunoprofilaxia

Imunização Ativa em Doentes com Síndrome da Imunodeficiência Adquirida e Pessoas Infectadas pelo Vírus da Imunodeficiência Humana

A administração apropriada de vacinas em pessoas infectados pelo HIV e doentes com AIDS constiui medida de grande importância, que contribui para a diminuição de doenças imunopreviníveis nesses pacientes.

Em algumas situações, no entanto, há controvérsia quanto à eficiência e à segurança da vacinação, sobretudo quando a imunodeficiência se encontra em estágio avançado. A vacinação precoce dos infectados pelo HIV, ainda assintomáticos, possibilita a obtenção de proteção mais efetiva, considerando-se a melhor resposta do sistema imune.

Crianças comprovadamente infectadas pelo HIV, sem alterações clínicas e imunológicas, devem receber todas as vacinas do calendário rotineiro de imunização ativa. Vacinas contendo agentes biológicos vivos ou atenuados devem ser evitadas, principalmente em doentes com evidências clínicas e/ou laboratoriais de imunodeficiência grave. Nessas eventualidades, quando possível, devem ser indicadas apenas o uso de vacinas inativadas ou de imunização passiva, além dos outros cuidados profiláticos.

Quando houver motivo especial para o emprego de determinada vacina, tal como em situações de risco elevado de exposição ou de viagens a regiões altamente endêmicas, o médico deverá avaliar o risco/benefício de uma conduta de exceção: em geral, deverá determinar o adiamento da aplicação das vacinas não incluídas no calendário em doentes com número baixo de LT-CD4+ no sangue, até que seja obtido restabelecimento satisfatório do sistema imune. Além de possibilitar melhor resposta imune à vacinação, a reconstrução do sistema imune também reduz o risco de complicações pós-vacinais.

Essa reconstrução tornou-se possível com o uso combinado do HAART.

Não há contra-indicação para o emprego de vacinas constituídas por imunógenos inativados ou não vivos em pessoas infectadas pelo HIV com déficit da imunidade celular.

Em adultos sintomáticos ou com imunodeficiência laboratorial grave (isto é, com número de LT-CD4+ no sangue inferior a 200/mm3 ou menor que 15% do valor normal), o uso dessas vacinas deve ser habitualmente adiado, devido a falta ou insuficiência da resposta imune, até que a reconstrução imunológica seja obtida por meio do tratamento anti-retroviral. Deve-se considerar que a segurança e a eficiência da maioria dessas vacinas não foram extensamente avaliadas em indivíduos infectados pelo HIV ou já com AIDS, devendo admitir-se a possibilidade de que a resposta seja inferior a que se verifica em pessoas imunocompetentes.

A vacinação dos indivíduos que convivem com doentes com AIDS ou infectados pelo HIV (familiares, pessoas que cuidam dos doentes etc), assim como profissionais da area da saúde, também deve ser considerada, sobretudo em relação à influenza e à varicela.

Vacina Específica contra Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

Não há dúvida quanto ao fato de que o controle da pandemia de AIDS não será alcançado com as estratégias atualmente postas em prática. As medidas de prevenção preconizadas e adotadas podem reduzir a propagação do HIV, mas não são capazes de levar à eliminação da AIDS. Os tratamentos hoje disponíveis, embora constituam extraordinários avanços, são complexos e incapazes de erradicar o vírus. Além disso, é muito alto o custo do tratamento anti-retroviral, o que o torna inacessível à maior parte dos doentes, sobretudo nas regiões mais pobres do mundo, onde os serviços de Saúde Pública não oferecem os medicamentos gratuitamente à população que deles necessita.
As vacinas destinadas a prevenir a infecção pelo HIV nas pessoas não infectadas e para serem usadas em indivíduos já infectados (vacinas terapêuticas) - cientificamente viáveis de serem obtidas - são necessárias e urgentes. Ainda que uma vacina desenvolvida contra a AIDS não fosse ideal, mas tivesse por volta de 50% de eficiência, já seria de grande significado para frear o ritmo de propagação do HIV no mundo. Grandes esforços tecnológicos e científicos têm sido feitos na busca da vacina ideal contra a AIDS, capaz de induzir resposta imunológica em pessoas suscetíveis:

  1. Independente da situação nutricional, do estado de saúde ou das características étnicas.
  2. Com eficiência contra todos os subtipos virais.
  3. Com eficiência nas infecções causadas por qualquer forma de transmissão.
  4. Com capacidade de Induzir imunidade de longa duração
  5. Com baixo custo de produção.
  6. Fácil de ser transportada e administrada
  7. Estável nas variadas condições ambientais.
  8. Até o momento, foram avaliados vários tipos de vacinas, usadas em diversos esquemas, tanto profilática quanto tera-peuticamente, porém sem respostas satisfatórias.

MISODOR, 09 DE NOVEMBRO 2009

BIBLIOGRAFIA:

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  3. HENRICHSEN, S.L. Doenças Infecciosas e Parasitárias. Ed. Guanabara Koogan. 1ª ed. 2005.
  4. MARINHO, L.A.C. & Tavares, W. Rotinas de Diagnóstico e tratamento das Doenças Infecciosas e Parasitárias. Ed. Atheneu 1 ª ed. 2005.
  5. MANDELL, G. Principles and practice of infectious diseases. Ed. Churchill Livingstone. 6ª ed. 2004.
  6. BASTOS, Francisco Inácio  and  BARCELLOS, Christovam. Geografia social da AIDS no Brasil. Rev. Saúde Pública [online]. 1995, vol.29, n.1 [cited  2009-11-09], pp. 52-62
  7. AYRES, José Ricardo Carvalho Mesquita. Práticas educativas e prevenção de HIV/Aids: lições aprendidas e desafios atuais. Interface (Botucatu) [online]. 2002, vol.6, n.11 [cited  2009-11-09], pp. 11-24
  8. PORTAL DO MINISTERIO DE SAÚDE BRASILEIRO SOBRE AIDS: http://www.aids.gov.br
  9. RODRIGUES, Eduardo Buchele et al. Técnica para injeção intravítrea de drogas no tratamento de doenças vítreorretinianas. Arq. Bras. Oftalmol. [online]. 2008, vol.71, n.6 [cited  2009-11-08], pp. 902-907
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